ENXAQUECA CRÔNICA E OS DESAFIOS ADICIONAIS NA SAÚDE EMOCIONAL DAS PESSOAS NO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

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Marina da Silveira Rodrigues Almeida[1]

1. INTRODUÇÃO

A enxaqueca é definida pela International Headache Society (2014) como dores de cabeça que ocorrem em 15 ou mais dias por mês, durante mais de três meses, com pelo menos 8 dias apresentando características de enxaqueca. Estudos epidemiológicos sugerem que aproximadamente 2% da população global sofre de enxaqueca crônica, com uma prevalência maior entre mulheres e indivíduos com condições psiquiátricas comórbidas, como ansiedade e depressão.

A enxaqueca, já conhecida pelos médicos da antiguidade, é um mal muito comum, acometendo indivíduos de todas as raças e idades. Na Europa, é chamada de “cefaleia vasomotora”, são as cefaleias persistentes desacompanhadas de outros sintomas de importância, sendo consideradas de apresentação básica (Sacks, 2020).

Segundo a Sociedade Brasileira de Cefaleia (2002), antigamente eram poucas as possibilidades de tratamento específico. Com o estudo da ação farmacológica dos derivados do centeio espigado foram obtidos medicamentos capazes de influenciar a vasomotricidade. Nos últimos anos foram lançadas outras drogas cujo emprego profilático pode impedir a eclosão de crises de enxaqueca. Com escolha apropriada dos medicamentos, conforme o estado individual de cada paciente.

Atualmente a medicina tem condições de tratar com sucesso cerca de 80% dos casos. Embora não se possa falar em cura, as crises dolorosas podem desaparecer completamente durante bastante tempo ou reduzir-se a um grau tolerável. Melhores sucessos são obtidos nos casos em que o tratamento é instituído precocemente; quanto mais velho for a cronicidade da enxaqueca, tanto mais desfavorável será o prognóstico. Nos dois últimos decênios têm sido feitos grandes progressos nas investigações sobre as causas da enxaqueca.

A dor de cabeça é uma condição coocorrente comum e frequentemente negligenciada em pessoas autistas. Pesquisas sugerem pessoas autistas são mais propensos a sentir dores de cabeça em comparação à população em geral. A prevalência de dores de cabeça em indivíduos com autismo varia, com estimativas variando de 20% a 50% (Verdi, 2020).

A experiência de dores de cabeça pode variar amplamente entre pessoas autistas. Alguns indivíduos podem ter dores de cabeça pouco frequentes, enquanto outros podem ter dores de cabeça crônicas ou recorrentes. Entender a prevalência de dores de cabeça no autismo é crucial para fornecer suporte e intervenções apropriados para indivíduos que podem estar passando por essa condição concomitante (Verdi, 2020).

Para o diagnóstico de enxaqueca, há necessidade de ocorrência de crises paroxísticas: ambas as formas têm íntimo parentesco etiológico – distúrbios da vasomotricidade encefálica, razão pela qual nos Estados Unidos a denominação de “enxaqueca” é apresentada de duas formas de cefaleia (Specialli, et.al., 2014).

As cefaleias, embora menos comuns, também podem ocorrer em pessoas com autismo. Essas dores de cabeça são caracterizadas por uma dor excruciante que geralmente é localizada ao redor de um olho. As cefaleias geralmente ocorrem em ciclos ou grupos, com dor intensa durando por um período seguido por períodos de alívio (Specialli, et.al., 2014).

Verdi (2020), relata que pessoas autistas frequentemente sentem dores de cabeça, levando ao comprometimento emocional e físico, provocando crises de shutdowns (desligamentos) e meltdowns (crises explosivas), afastamento do trabalho, por consequência estes comprometimentos impactam significativamente suas vidas diárias e laborais. Embora a etiologia exata das cefaleias no autismo não seja totalmente compreendida, fatores genéticos e ambientais podem desempenhar um papel. Pessoas autistas que sofrem de cefaleias podem se beneficiar de uma consulta com um profissional de saúde para desenvolver um plano de tratamento abrangente. Ao entender os diferentes tipos de dores de cabeça que podem ocorrer em pessoas autistas, cuidadores e profissionais de saúde podem identificar e gerenciar melhor esse sofrimento.

É importante trabalhar em estreita colaboração com profissionais de saúde para desenvolver estratégias personalizadas que abordem as necessidades específicas de pessoas autistas e ajudem a aliviar seus sintomas de dores de cabeça e enxaqueca.

2. ENXAQUECA: DEFINIÇÃO, EPIDEMIOLOGIA E TIPOS

De acordo com a Sociedade Brasileira de Cefaleia (2002), a enxaqueca é a cefaleia primária mais predominante e representa a doença neurológica mais prevalente, a terceira doença mais prevalente no mundo, a terceira causa de incapacidade em menores de 50 anos e afeta cerca de 1 bilhão de pessoas em todo o mundo.

De acordo com a Classificação Internacional de Cefaleias, 3ª edição beta (ICHD-3 beta, 2014), pessoas que sofrem de enxaqueca apresentam crises que duram de 4 a 72 horas, que são tipicamente unilaterais, pulsantes, com intensidade moderada ou grave, agravadas pela atividade física e associadas a náuseas, vômitos e/ou fotofobia e fonofobia. Em alguns pacientes, a dor de cabeça é precedida por sintomas visuais, sensoriais ou outros sintomas do sistema nervoso central, esta apresentação é conhecida como aura.

Stefani (2021), define o quadro de enxaqueca quando a cefaleia se apresenta sob forma de crises paroxísticas. Em dois terços dos casos as dores são unilaterais, realizando a hemicrania típica; em um terço dos casos, as dores ocorrem bilateralmente. Muito mais frequente é a localização na região fronto-temporal do que na occipital. Usualmente é típica a palidez, quase sempre presente, com perda do turgor dos tecidos na face. As dores têm caráter latejante pulsátil, o que aumenta quando o doente abaixa a cabeça. A apresentação de náuseas, com ou sem vômitos, ocorrem em 80% dos casos. Ocasionalmente, ao lado da palidez e da diminuição do turgor do tegumento facial, há aumento do calibre e turgescência dos vasos arteriais e venosos; em tais circunstâncias a pulsação se torna visível em algumas artérias, especialmente nas temporais. Estas características fornecem importantes pontos de apoio para a compreensão da patogenia vascular da enxaqueca.

De acordo com a autora temos também a assim chamada “enxaqueca vermelha”, forma especial que alguns chamam de “eritroprosopalgia” e outros de “síndrome de Horton” ou, erroneamente, de cefaleia histamínica. Na enxaqueca oftálmica ocorrem auras visuais em campos homônimos: escotomas cintilantes, falhas no campo visual, às vezes hemianopsia, raramente amaurose passageira. Há acordo unânime de que tais auras decorrem de fenômenos de irritação do córtex visual, possivelmente determinados por angiospasmos (Stefani, 2021).

Na enxaqueca podem ocorrer, embora mais raramente, outros sintomas neurológicos, tais como hemiparesia, disestesias parceladas ou em todo o hemicorpo, disfasia, convulsões unilaterais. Esses quadros já eram conhecidos no século XIX como “migraine accompagnée”, e estão associados a epigenética familiar (Stefani, 2021).

2.1. TRATAMENTOS DA ENXAQUECA

Segundo, American Headache Society (2019), os medicamentos antigamente utilizáveis nas enxaquecas durante as crises, eram os antiepilépticos, brometos e mais tarde barbitúricos. Atualmente o uso das hidantoínas são mais recomendáveis, normalmente quando combinadas com doses pequenas de cafeína. Estes medicamentos são mais úteis nos casos em que existam alterações eletroencefalográficas de caráter paroxístico e nos casos em que as crises ocorram com muita frequencia e repentinamente. Os efeitos são mais nítidos em jovens do que em indivíduos idosos. Drogas anti-histamínicas, de maneira geral, não têm utilidade na terapêutica da enxaqueca. A utilidade da histamina é hoje negada pela maior parte dos autores. As drogas antagonistas da serotonina no tratamento profilático da enxaqueca mostram resultados bastante bons atualmente (Bhaskar, 2013).

As enxaquecas que apresentam maiores dificuldades para a terapêutica são as de origem climatérica. Em casos de enxaqueca menstrual comum podem ser obtidos bons resultados com o emprego da testosterona.

Na enxaqueca climatérica, também pode-se tentar o emprego deste hormônio; a tendência para a virilização ou para aumento da libido deve ser observada com cuidado, exigindo a suspensão do tratamento. Há experiências com o emprego da hidergina em tais casos, mas seu efeito não é seguro. Entre os demais hormônios, podem ter efeito também a cortisona ou o ACTH, cuja administração deve ser cuidadosa, são as recomendações da Us Food And Drug Administration – FDA (2018).

3. AUTISMO: DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma condição neurodesenvolvimento caracterizada por dificuldades na comunicação social e comportamentos repetitivos e restritivos (APA, 2014).

As pessoas autistas podem apresentar hipersensibilidade ou hipossensibilidade a estímulos sensoriais, o que pode exacerbar os sintomas de enxaqueca. Além disso, a presença de comorbidades psiquiátricas como ansiedade, depressão, transtorno obsessivo compulsivo, deficiência intelectual, transtorno de déficit atenção e hiperatividade, epilepsia, transtornos gastrointestinais, aumentam ainda mais o risco de enxaqueca crônica.

Pacientes com TEA que apresentam tal comprometimento multidimensional frequentemente apresentam maiores anormalidades comportamentais e piores resultados a longo prazo. Alguns autores se referem a essa condição como “autismo-plus” ou “transtorno de desenvolvimento complexo múltiplo” (Vetri, 2020).

A prevalência do autismo aumentou significativamente nas últimas duas décadas, de 2–5/10.000 para 1/59 crianças (1 em 37 meninos e 1 em 151 meninas), sendo a frequência em homens quatro vezes maior do que em mulheres. Portanto, temos um novo número: 1 em cada 36 crianças de 8 anos são autistas nos Estados Unidos, o que significa 2,8% daquela população. O dado divulgado em 2023, vem da principal referência mundial a respeito da prevalência de autismo, o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), do governo dos EUA, que divulgou sua atualização bienal. O número desse estudo científico, com mais de 226 mil crianças, é 22% maior que o anterior, divulgado em dezembro de 2021 — que foi de 1 em 44 (com dados de 2018).

No Brasil, não temos números de prevalência de autismo. Se fizermos a mesma proporção desse estudo do CDC com a população brasileira, poderíamos obter a estimativa de cerca de 5,95 milhões de autistas no Brasil.

Pela primeira vez, a porcentagem de diagnósticos de autismo entre asiáticos (3,3%), hispânicos (3,2%) e negros (2,9%) foram maiores do que entre as crianças brancas de 8 anos (2,4%). Isso é o oposto das diferenças raciais e étnicas observadas nos estudos anteriores do CDC.

Essas mudanças podem refletir uma melhora na triagem, conscientização e mais acesso a serviços de saúde ofertados para estes grupos historicamente excluídos.

3.1. ENXAQUECA EM PESSOAS AUTISTAS: MECANISMOS E FATORES CONTRIBUINTES

Pesquisas recentes sugerem que a enxaqueca com aura pode ser um mecanismo que começa na primeira infância e contribui para os padrões de medo-conflito e falhas de desenvolvimento associados ao autismo infantil.

O Transtorno do Espectro Autista e a enxaqueca com aura têm várias características em comum. Ambos ocorrem na infância e têm uma marca vitalícia no desenvolvimento da cognição, socialização e linguagem. Os dois transtornos também são semelhantes em sua subjetividade, com barreiras que dificultam o relato de histórias clínicas. Os bebês saudáveis são rotineiramente diagnosticados com base em comportamentos observados, pois não há teste direto para nenhum dos transtornos (Fors & Fors, 2013).

Existem aspectos visuais-perceptivos-cognitivos notáveis do desenvolvimento infantil inicial relacionados às interações mãe-filho, incluindo o alerta visual dos neonatos, o rastreamento visual do bebê no primeiro mês, a capacidade do recém-nascido de imitar gestos faciais de adultos e a memória episódica e a recordação da criança aos 18 meses. Essas primeiras interações sociais permitem que uma criança saudável forme a distinção entre o eu e o não eu. Durante o período pré-linguístico, o contato visual desempenha um papel poderoso como um sinal de prontidão para interação, atenção e intimidade. Por meio do contato visual referencial, a mãe conduz seu bebê em tarefas sensório-motoras e o bebê começa a entender a permanência dos objetos no tempo e no espaço. Os sorrisos da mãe, o olhar mútuo e a coordenação da visão se correlacionam com o apego durante esse estágio crítico do desenvolvimento infantil. (Fors & Fors, 2013).

O circuito neural dentro do hemisfério direito do cérebro em desenvolvimento do bebê responde rapidamente aos sinais emocionais de estresse e perigo percebido, que por sua vez produzem comportamentos auto protetores de evitação e fuga. A perda repentina da visão, movimentos inexplicáveis e padrões em zigue-zague da enxaqueca com aura podem perturbar a dinâmica única do apego bem-sucedido entre mãe e filho. É possível que a experiência da aura da enxaqueca perturbe a percepção do bebê de uma realidade estável e ameace a segurança do relacionamento mãe-filho. As distorções visuais e o desaparecimento de uma aura de enxaqueca podem produzir comportamentos característicos do autismo infantil, como medo e conflito, déficits de linguagem, aversão ao olhar e evitação de aproximação.

Pesquisas adicionais são encorajadas a explorar a relação potencial entre enxaqueca com aura e autismo infantil. Se tal ligação existir, ela pode levar a avanços significativos no diagnóstico, tratamento precoce e prevenção desse transtorno infantil (Fors & Fors, 2013).

3.1.1. Sensibilidade Sensorial

Pessoas autistas frequentemente apresentam diferenças significativas no processamento sensorial. Estímulos que podem parecer triviais para indivíduos neurotípicos, como luzes brilhantes, sons altos ou cheiros fortes, podem desencadear episódios de enxaqueca em indivíduos autistas. A sensibilidade sensorial exacerbada pode ser um fator contribuinte significativo para a alta prevalência de enxaqueca nessa população (Verdi, 2020).

3.1.2. Comorbidades Psiquiátricas

A ansiedade, depressão e outras condições psiquiátricas são comuns em pessoas autistas e estão associadas a um maior risco de enxaqueca. A relação entre estresse emocional e enxaqueca está bem documentada na literatura, e a presença de comorbidades psiquiátricas pode agravar a frequência e a intensidade das crises de enxaqueca (Verdi, 2020; Feldman, 2012).

3.1.3. Genética e Ambiente

Estudos genéticos sugerem que tanto a enxaqueca quanto o TEA têm componentes hereditários. A combinação de fatores genéticos e ambientais pode desempenhar um papel crucial na predisposição das pessoas autistas à enxaqueca crônica (Verdi, 2020; Fors & Fors, 2013).

3.1.4. Abordagens Terapêuticas

O manejo da enxaqueca crônica em pessoas autistas pode ser particularmente desafiador devido à sensibilidade a medicamentos e às possíveis interações com tratamentos para comorbidades psiquiátricas. Medicamentos como triptanos, betabloqueadores e antidepressivos podem ser utilizados, mas devem ser administrados com cuidado (Verdi, 2020).

3.1.5. Terapias Complementares

Terapias não farmacológicas, como Terapia Cognitiva Comportamental (TCC), mindfulness e biofeedback, têm mostrado eficácia na redução da frequência e intensidade das crises de enxaqueca. Essas abordagens podem ser particularmente benéficas para pessoas autistas, que podem ser mais sensíveis aos efeitos colaterais dos medicamentos (Verdi, 2020).

3.1.6. Ajustes no Estilo de Vida

Intervenções no estilo de vida, como uma dieta equilibrada, prática regular de exercícios físicos e manutenção de uma rotina de sono adequada, são essenciais para o manejo da enxaqueca. Técnicas de gerenciamento do estresse, como yoga e meditação, também podem ser eficazes (Verdi, 2020).

4. METODOLOGIA

Este artigo utiliza uma revisão da literatura científica contemporânea para explorar associação entre Transtorno do Espectro Autista (TEA) e os fatores associados a enxaqueca crônica.

A revisão abrange os estudos que discutem a prevalência, definição, tratamentos e fatores contribuintes tanto para enxaqueca quanto para TEA. A pesquisa possui um caráter qualitativo e exploratório, focado na análise e interpretação de estudos existentes para entender melhor a relação entre TEA e enxaqueca crônica. A revisão sistemática da literatura foi realizada em plataformas de pesquisa como PubMed, Scopus e Google Scholar.

Utilizamos para análise dos artigos critérios de inclusão e exclusão predefinidos e técnicas de análise qualitativa para sintetizar os achados e relacioná-los aos objetivos do estudo. Os critérios de inclusão envolveram estudos publicados nos últimos 10 anos que abordassem a relação entre TEA e enxaqueca crônica.

Os critérios de exclusão, artigos que não abordavam enxaqueca crônica, pessoas autistas com enxaqueca crônica, não atendiam aos padrões de qualidade metodológica estabelecidos para a revisão, estudos duplicados ou revisões que apresentavam os mesmos dados e estudos muito antigos que não são considerados relevantes para o contexto atual da pesquisa. Foram analisados 13 artigos, no período de 4 meses para análise sistemática.

Este tipo de revisão possibilita a identificação do conhecimento científico e melhoria da prática clínica (Mendes et.al, 2008; Marconi & Lakatos, 2003). O método de pesquisa adotado é o hipotético-dedutivo, mediante instrumento qualitativo e ampla análise bibliográfica.

5. OBJETIVOS

Esta revisão sistemática tem como objetivo geral avaliar as evidências da literatura científica contemporânea sobre a coocorrência entre Transtorno do Espectro Autista (TEA) e enxaqueca, associação entre os dois transtornos ainda tão pouco explorada.

Como objetivos específicos procuramos: Investigar a prevalência, os fatores de risco e as estratégias de manejo da enxaqueca crônica em pessoas autistas, com foco na melhoria da qualidade de vida das pessoas autistas.

Delinear as principais descobertas de pesquisas de última geração sobre a comorbidade entre TEA e enxaqueca, sugerindo os possíveis mecanismos fisiopatológicos relacionados aos pacientes com TEA. Identificar os principais fatores de risco que contribuem para a ocorrência de enxaqueca crônica em pessoas autistas. Avaliar a eficácia das diferentes estratégias de manejo da enxaqueca crônica em indivíduos autistas, incluindo tratamentos medicamentosos e terapias complementares.

6. RESULTADOS

O Transtorno do Espectro Autista e a enxaqueca com aura têm várias características em comum. Ambos ocorrem na infância e têm uma marca vitalícia no desenvolvimento da cognição, socialização e linguagem. Os dois transtornos também são semelhantes em sua subjetividade, com barreiras que dificultam o relato de histórias clínicas. Os bebês saudáveis são rotineiramente diagnosticados com base em comportamentos observados, pois não há teste direto para nenhum dos transtornos (Fors & Fors, 2013). Pesquisas adicionais são encorajadas a explorar a relação potencial entre enxaqueca com aura e autismo infantil. Se tal ligação existir, ela pode levar a avanços significativos no diagnóstico, tratamento precoce e prevenção desse transtorno infantil (Fors & Fors, 2013).

Estudos indicam que aproximadamente 2% da população global sofre de enxaqueca crônica, com maior prevalência entre mulheres e indivíduos com condições psiquiátricas. Pessoas autistas têm uma prevalência de dores de cabeça que varia entre 20% e 50% comparados a pessoas neurotípicas. Fatores genéticos e ambientais podem contribuir para essa condição, e comorbidades psiquiátricas como ansiedade e depressão aumentam o risco de enxaqueca em indivíduos autistas.

A revisão da literatura revelou que a prevalência de enxaqueca crônica é significativamente maior em pessoas autistas do que na população neurotípica. Fatores de risco identificados, incluem a sensibilidade sensorial, hipersensibilidade a estímulos como luz e som. Comorbidades psiquiátricas, alta incidência de ansiedade e depressão. Histórico familiar, presença de enxaqueca em familiares próximos.

Os dados coletados neste estudo de análise sistemática indicam que os grupos pesquisados encontraram a prevalência de enxaqueca crônica em pessoas autistas sendo significativamente maior do que na população neurotípica. Aproximadamente 25% de pessoas autistas relatam episódios de enxaqueca crônica, em comparação com 15% da população neurotípica.

Os principais fatores de risco identificados incluem, a sensibilidade sensorial, 70% de pessoas autistas com enxaqueca relataram hipersensibilidade a estímulos sensoriais. A presença de comorbidades psiquiátricas foram encontradas em 60% de pessoas autistas com enxaqueca apresentavam comorbidades como ansiedade e depressão. No histórico familiar, 50% das pessoas autistas com enxaqueca tinham histórico familiar de enxaqueca.

O tratamento medicamentoso, mais utilizado atualmente são os triptanos e betabloqueadores, mostraram-se eficazes na redução da frequência e intensidade das crises de enxaqueca em 65% dos participantes do grupo de pessoas autistas pesquisados.

As terapias complementares mais indicadas são Terapia Cognitiva Comportamental e mindfulness, tiveram uma eficácia de 50% na redução dos sintomas de enxaqueca. Intervenções no estilo de vida, como dieta e exercícios, mostraram uma melhoria na qualidade de vida de 55% dos participantes da pesquisa com autismo e neurotípicos.

7. DISCUSSÃO

A revisão sugere que a sensibilidade sensorial exacerbada em pessoas autistas pode ser um fator significativo na alta prevalência de enxaqueca nessa população.

O estresse emocional e comorbidades psiquiátricas, comuns em pessoas autistas, também estão associadas a um maior risco de enxaqueca. Estudos genéticos mostram que tanto a enxaqueca quanto o TEA têm componentes hereditários, indicando uma predisposição genética para a condição. A elevada prevalência de enxaqueca crônica em pessoas autistas pode ser atribuída às suas características únicas de processamento sensorial e comorbidades psiquiátricas.

As terapias medicamentosas, como triptanos e betabloqueadores, mostraram eficácia, mas devem ser administradas com cautela devido às sensibilidades individuais.

As terapias complementares, como Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) e mindfulness, também se mostraram eficazes. Ajustes no estilo de vida, como dieta balanceada e rotina de sono adequada, são essenciais.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A enxaqueca não é uma doença estrutural do encéfalo, por esta razão toda a investigação laboratorial e de neuroimagem os resultados são normais, porém, em contrapartida, é uma doença disfuncional, em que sua causalidade se refere a múltiplos fatores e pode ser encarada como um desequilíbrio químico no cérebro, envolvendo hormônios e substâncias denominadas peptídeos. Esse desequilíbrio resulta de uma série de outros desequilíbrios neuroquímicos e hormonais, decorrentes do estilo de vida e hábitos da pessoa autista, bem como a predisposição genética.

Dessa forma, a enxaqueca na vida da pessoa autista, como qualquer outra doença grave ou crônica, deve ser trabalhada para um eficaz prognóstico levando em consideração não somente sua etiologia biológica, mas principalmente o conjunto de fatores biopsicossociais do sujeito em questão.

A enxaqueca crônica representa um desafio significativo para pessoas autistas, exacerbado por suas características únicas de processamento sensorial e comorbidades psiquiátricas. É crucial que profissionais de saúde adotem uma abordagem holística e personalizada ao tratar essa condição, considerando as necessidades individuais de cada paciente no espectro.

Os avanços nas pesquisas, no entendimento das interações entre enxaqueca e Transtorno do Espectro Autista é fundamental para desenvolvermos estratégias terapêuticas mais eficazes com a finalidade de melhorar a qualidade de vida das pessoas autistas.

REFERÊNCIAS

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BHASKAR, S. et al. Recent progress in migraine pathophysiology: role of cortical spreading depression and magnetic resonance imaging. European Journal of Neuroscience, vol. 38, n. 11, Berlim, 2013.

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SACKS, O. Enxaqueca. Tradução Laura Teixeira Mota. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

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SPECIALI, J. G. et al. Protocolo nacional para diagnóstico e manejo das cefaleias nas unidades de urgência do Brasil, 2018. Disponível em: https://sbcefaleia.com.br/images/file%205.pdf. Acesso em: 8 out. 2024.

STEFANE, T., et al. Influência de tratamentos para enxaqueca na qualidade de vida: revisão integrativa de literatura. Revista brasileira de enfermagem. vol. 65, n. 2, p. 353-360, Brasília, 2021. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71672012000200023&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 15 out. 2024.

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VERDI, L. Autism and migraine: an unexplored association? Departamento de Ciências para a Promoção da Saúde e Cuidado Materno-Infantil “G. D’Alessandro”, Universidade de Palermo. Itália, 2020. Disponível em: https://www.mdpi.com/2076-3425/10/9/615 . Acesso em: 20 set. 2024.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Headache disorders fact sheet. Disponível em: https://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/headache-disorders. Acesso em: 16 out. 2024.


[1] Psicóloga Clínica e Escolar pela Universidade UNISANTOS, Pós-Graduada em Psicopedagogia pela Universidade UNISANTOS, Psicanalista Psicodinâmica Contemporânea pela PUCRS, Terapeuta Cognitiva Comportamental e proprietária do consultório particular Instituto Inclusão Brasil em São Vicente-SP. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4036950234432661. E-mail: marinaalmeida@institutoinclusaobrasil.com.br

Marina da Silveira Rodrigues Almeida – CRP 06/41029

Psicóloga Clínica, Escolar e Neuropsicóloga, Especialista em pessoas adultas Autistas (TEA), TDAH, Neurotípicos e Neurodiversos.

Psicanalista Psicodinâmica e Terapeuta Cognitiva Comportamental

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