“Caminhante não há caminho, se faz o caminho ao caminhar.”
Antônio Machado
Marina da Silveira Rodrigues Almeida[1]
1. INTRODUÇÃO
Neste capítulo iremos trazer reflexões sobre a peregrinação numa perspectiva multidimensional, considerando que a religião faz parte do contexto das crenças do ser humano e, como tal, atravessa os contextos da saúde no seu termo científico, influenciando, diretamente ou não, na saúde emocional e existencial.
A interseção entre psicologia, fé, religião, Deus e espiritualidade é um campo fascinante e complexo. Mergulharemos nas profundezas da mente humana para entender como esses temas se entrelaçam e influenciam nossa busca por significado e transcendência através da peregrinação.
Fig. 1 – Peregrino no Caminho de Santiago de Compostela, Espanha.
Fonte: Centro de Acolhimento ao Peregrino da Catedral de Santiago de Compostela, domínio público, 2024.
As peregrinações modernas estão ganhando popularidade na cultura ocidental, apesar da crescente secularização. Historicamente, as peregrinações eram um ritual religioso com o objetivo de transformação pessoal, atualmente encontramos diversas dimensões que exploram a fenomenologia da peregrinação moderna podemos citar: as motivações pessoais para fazer uma peregrinação, religiosidade e espiritualidade, autoconhecimento e transformação, saúde e bem estar, experiência cultural e histórica, comunhão com a natureza, superar desafios, esporte, ecoturismo e aventura, conhecer peregrinos de outros países, dentre outras motivações subjetivas.
Os Caminhos de Santiago são hoje percorridos por milhares de peregrinos nas suas sete rotas históricas: o Caminho Francês, o Caminho do Norte, a Via da Prata, a Rota Marítimo Fluvial, o Caminho Inglês, o Caminho Primitivo e o Caminho Português.
Além destas rotas, existe ainda o Caminho de Finisterra, que faz a ligação entre as cidades de Santiago e Finisterra. O Caminho tornou-se muito popular nos últimos anos devido a vários fatores: as autoridades espanholas e as juntas locais trabalham para atrair peregrinos, publicitando o Caminho e melhorando as infraestruturas para os receber, já que são estes “turistas” que mantêm vivas muitas das aldeias ao longo da rota. Outra das razões é o surgimento de cada vez mais de associações que promovem peregrinações em grupo.
Existe também uma mudança de mentalidade que promove a ligação com a natureza e publicidade deste tipo de trilhas. Nos últimos anos, o número de peregrinos que percorreram o Caminho de Santiago de Compostela na Espanha, aumentou significativamente. De acordo com os dados estatísticos do Centro de Acolhimento ao Peregrino da Catedral de Santiago de Compostela, em 2023, um total de 438.300 peregrinos completaram a jornada, sendo considerado um novo recorde. Isso representa uma duplicação em relação a 2013, quando havia 215.879 peregrinos, e em 2019, cerca de 350.000 peregrinos completaram sua jornada até a Catedral de Santiago.
Nos últimos anos houve grande impacto na divulgação a nível mundial do Caminho de Santiago até os dias atuais, através do escritor Coelho[2], que descreveu sua vivência em seu livro “O Diário de um mago”, publicado em 1988. Após o lançamento do livro houve um aumento de novas rotas de peregrinação no Brasil e em outros países, inspiradas no famoso Caminho de Santiago de Compostela percorrido pelo autor.
No Brasil as trilhas que surgiram foram, Caminho de Caravaggio (Serra Gaúcha), Caminho da Prece (Minas Gerais), Caminho da Luz (Minas Gerais), Caminho Caipira (São Paulo), Caminho da Fé (São Paulo até Aparecida do Norte) e Caminho das Missões (Rio Grande do Sul). Muitos peregrinos utilizam estes caminhos no Brasil como um treinamento de caminhada prévia para fazerem posteriormente o Caminho de Santiago, ou fazem por motivos religiosos, ecoturismo, cultural ou para degustarem a gastronomia da região e hospitalidade (Machado et. al., 2019).
A peregrinação, um dos fenômenos religiosos e culturais mais conhecidos pela sociedade humana, é uma característica importante das principais religiões do mundo: budismo, hinduísmo, islamismo, judaísmo e cristianismo. Uma peregrinação pode ser definida como uma jornada resultante de causas religiosas, externamente para um local sagrado e internamente para propósitos espirituais e compreensão interna (Paiva, 2022).
Hoje, a peregrinação é definida por Monteiro (2013) de forma diferente, como uma jornada religiosa tradicional ou secular moderna. O fenômeno está atualmente experimentando ressurgimento em todo o mundo, pois santuários de longa data ainda agem como atrativos para aqueles em busca de realização espiritual (Monteiro, 2023). A peregrinação pós-moderna, está associada às viagens turísticas ao exterior que levam aos lugares santos e sagrados do mundo, como Caminho de Meca (Arábia Saudita), Caminho de Abrão (Líbano), Caminho de Jerusalém (Israel), Rio Gange (Índia), Peregrinação dos Himalaias (Nepal e Butão), Caminho Siddhartha ou Caminho do Meio (Nepal e Índia) e o Caminho de Santiago de Compostela (Espanha).
O conceito de peregrinação fixou-se em torno da prática do Caminho de Santiago, como uma prática religiosa, espiritual e salvadora, reproduzindo o sofrimento de Cristo ao longo da via-sacra e tendo subjacente mesmo que temporária a ruptura com o cotidiano e, por outro lado, o percurso cumprido com sacrifício e resignação a fim de obter um perdão ou agradecer uma graça divina. No entanto, o termo expandiu-se do domínio religioso, com a separação entre peregrinação e turismo, ou entre peregrinação religiosa e peregrinação secular.
De acordo com o filósofo espanhol Gasset (1990), a palavra peregrino tem seu prefixo no seu primeiro fonema (per) vem de uma palavra indo-europeia remota que originalmente significava “andar pelo mundo quando não havia estradas, mas toda jornada era mais ou menos desconhecida e perigosa”. Essa concepção está longe de ser “caminhar para chegar a um destino”, mas torna a jornada como uma viagem, “caminhar pelo mundo”. Portanto, o conteúdo da viagem é o que nos acontece durante o percurso; e isso é, principalmente, encontrar curiosidades, aventuras e enfrentar perigos.
A etimologia da palavra peregrino para Gasset (1990) é derivada do advérbio latino peregri ou peregre que significa “no exterior”, portanto, originalmente seu significado é caminhar por terras estranhas ou estrangeiras. A partir disso, surgiram as palavras peregrinus (que significa “estrangeiro”) e peregrinatio (que se refere a uma “viagem ao exterior ou ao estrangeiro”). A peregrinação para os autores Zangari; Machado, (2018) é uma das formas mais antigas e básicas de mobilidade populacional conhecidas pela sociedade humana, e suas implicações políticas, sociais, culturais e econômicas sempre foram, e continuam sendo, substanciais até hoje.
Não foi até a era cristã, com a palavra peregrinatio, que essa definição adquiriu o significado de “viagem aos Lugares Santos”. A rigor, para o católico espanhol, peregrino é aquele que vai à Catedral de Santiago de Compostela para visitar o túmulo do apóstolo e depois “abraçar Santiago”. Assim, pelo destino de sua peregrinação, ele se diferencia dos viajantes turistas comuns. Para o peregrino visitar estes locais considerados sagrados, santos, religiosos ou místicos tem profundo significado espiritual, especialmente no catolicismo (Gasset, 1990).
Podemos concluir, que antigamente, viajar ou peregrinar era, portanto, algo mais do que uma ação meramente utilitária – para trocas comerciais ou agradáveis, no estilo do que o turismo é para muitos hoje. Era um meio de adquirir experiência, reflexão espiritual, ficar em silêncio, contemplação, conhecimento e até prestígio, na medida em que era perigoso, era também uma aventura, um desafio atraente para os ousados e corajosos (Zangari; Machado, 2018).
2. BREVE HISTÓRIA DO CAMINHO DE SANTIAGO DE COMPOSTELA
A Catedral de Santiago de Compostela é um templo católico situada na cidade de Santiago de Compostela, capital da Galicia, Espanha. É a Sé da arquidiocese homônima e foi construída entre 1075 e 1128, em estilo românico, na época das cruzadas e durante a Reconquista Cristã, tendo sofrido depois várias reformas que lhe adicionaram elementos góticos, renascentistas e barrocos (Castiñeiras et. al., 2010).
Contextualizar, neste caso, a um tempo e a um lugar em relação ao nome de uma determinada cidade como Santiago ele Compostela, é fazer referência a uma época concreta que nos leva desde o pré-românico até ao século XX, todo um período vinculado, no espaço da cidade aqui considerada, bem como, à figura do apóstolo Santiago o Maior, o Patrono de Espanha, razão básica de um dos movimentos de peregrinação de maior relevância na história europeia. Mas também, desde o título em questão, se faz referência a um lugar, inserido num conjunto urbano. Nos referimos à Catedral de Santiago, precisamente como o espaço fundamental de referência do culto jacobeu. Ali, sobre o túmulo reconhecido no século IX, como o próprio de Santiago Apóstolo, a devoção das pessoas converteu-o numa meta de quem é peregrino. Ao longo do tempo foi considerado o patrono da Espanha, pelo fato que o Santo prestou o seu apoio às milícias hispanas defensoras dos ideais cristãos, sendo chamado também de Santiago Mata Mouros (Castiñeiras et. al., 2010, p.100-122).
A Catedral de Santiago de Compostela acolhe o túmulo do apóstolo Santiago Maior, o que a converteu no principal destino de peregrinação cristã na Europa, depois de Roma durante a Idade Média; através do chamado Caminho de Santiago, uma rota iniciática na qual se seguia a Via Láctea que se estendia por toda a Península Ibérica e Europa Ocidental.
Fig. 2 – Catedral de Santiago de Compostela, Espanha.
Fonte: Wikipedia, domínio público, 2024.
Walter (2020) relata que segundo a Bíblia, Tiago Maior filho de Zebedeu e Salomé, irmão de São João, o Evangelista, foi um dos quatro primeiros discípulos de Jesus Cristo. O nome Tiago deriva da latinização de Jacob (em hebraico) para Iacobus. Em espanhol e português a aglutinação de Sant’Iago deu origem a Santiago, em francês é conhecido como Saint Jacques e em inglês como Saint James.
De regresso a Jerusalém, o apóstolo Tiago Maior foi decapitado pelo Rei Herodes. Seus restos mortais, segundo a lenda, foi levado de volta à Espanha em um barco de pedra até Muxia, na província de Corunha, (Costa da Morte e Finisterra), transportado por anjos numa viagem que durou 7 dias, para ser enterrado na Galicia. Neste local, foi erguida uma igreja e se tornou o Santuário da Virgem de La Barca (Walter, 2020). Diz a lenda que o apóstolo Tiago Maior, cansado das pessoas que não estavam ouvindo suas pregações, foi para Muxia para implorar a Deus que seus sermões servissem a algum propósito. Foi nesse momento que a Virgem, num barco de pedra puxado por anjos, apareceu ao apóstolo e disse: “Volte a Jerusalém, sua missão nesta terra acabou”. Dito isso, o barco e a Virgem se esfumaçaram no ar. A partir deste momento, outra lenda começou a se desenvolver em torno das pedras localizadas no rochedo de Muxia.
Fig. 3 – Santuário da Virgem de La Barca, Muxia, Corunha, Espanha.
Fonte: Wikipédia, domínio púbico, 2024.
O Santuário da Nossa Senhora da Virgem da Barca, em Muxia, está incrustada em um costão de pedras e que aparece no final do filme “The Way”[3], era originalmente um santuário celta pré-cristão (Wanke, 2022).
Estima-se que a origem do santuário data dos séculos XI ou XII, mas foi reconstruída várias vezes, por ter sido destruída por catástrofes da natureza e incêndios criminosos, até chegar ao templo atual, que data do início do século XVIII. As torres foram construídas em meados do século XX. Depois da aparição da Virgem Maria, Santiago abandona a região norte na qual estava pregando e se desloca em direção às cidades Célticas do Centro e em seguida volta para Jerusalém acompanhado de seus dois discípulos mais próximos, Teodoro e Atanásio, dando por encerrada sua pregação na Espanha, deixando, no entanto, plantada nestas erras distantes, a primeira semente que viria a florescer pelos séculos futuros (Wanke, 2022).
No ano de 813, continua a lenda, um camponês chamado Pelayo, guiado por muitas estrelas, encontrou em um grande campo, os restos mortais do apóstolo Santiago. A notícia correu pelo mundo, lançando uma legião de cristãos a peregrinar até Santiago de Compostela, cidade que se formou na região norte da Galicia (Walter, 2020).
Walter (2020), explica que a palavra Compostela, provém de “campo de estrelas”, segundo a lenda. Desde então, multidões de peregrinos anônimos vêm percorrendo este caminho, o único no mundo que não se formou por motivos comerciais. Vários daqueles que deixaram o nome na história, como Carlos Magno, El Cid, São Francisco de Assis, Fernão de Aragão e Isabel de Castela, também percorreram o caminho. Ainda hoje se faz história do caminho, com a passagem de peregrinos contemporâneos, como artistas, Anthony Quinn, Shirley MacLaine e Michael Douglas, o jornalista Luís Carandell, o escritor Fernando Sánchez Drago, o treinador de futebol Jabo Irureta, Jenna Bush, filha de George Bush Junior e Don Felipe de Bourbon, herdeiro do trono espanhol, bem como escritores, historiadores.
Ao longo dos séculos, o Caminho de Santiago evoluiu tanto quanto os peregrinos. Os valores, a hospitalidade e a maioria dos itinerários permanecem fiéis às origens. Mas muitas outras coisas foram se adaptando ao longo do tempo, como, por exemplo, as roupas do peregrino, sistemas de segurança, internet, albergues públicos e hostels.
Desde o auge das peregrinações a Santiago, na Idade Média, o peregrino adotou uma vestimenta muito característica. Capa, esclavina (capa curta, aberta na frente, que cobre os ombros), mochila e chapéu foram – durante séculos – as peças do vestuário que definiam as pessoas que percorriam o Caminho de Santiago. Isso está registrado em várias fontes documentais. Entre outros, no Códice Calixtino, já no início do século XII (Castiñeiras et. al., 2010, p.100-122).
Cada uma destas vestimentas e acessórios era fundamental para a peregrinação. A capa, que abrigava do frio, não deveria ser muito longa para facilitar os passos. A esclavina protegia os ombros do frio e da chuva. O chapéu, normalmente de aba larga, permitia ao peregrino proteger-se da chuva e do sol.
A mochila era como uma pequena bolsa de viagem para transportar os documentos da peregrinação, roupas e algum alimento. A cabaça, era utilizada para colocar água, mas hoje é apenas um adereço, foi substituída por garrafas térmicas de água. As sandálias eram normalmente o calçado mais utilizado, embora também fosse muito comum caminhar até descalço, como forma de sacrifício e ou para cumprir promessas. A estas vestimentas foram acrescidos outros acessórios, como o cajado, que permitia ao peregrino apoiar-se nas trilhas íngremes e pedregosas no Caminho, e geralmente na viagem de volta (atualmente raramente os peregrinos fazem a viagem de volta ao marco zero do início da caminhada) – incluíam a concha de vieira adornando algumas de suas roupas. Do século XI até o início do século XX, poucas foram as modificações desta espécie de uniforme que se adaptava às necessidades e as condições financeiras de cada peregrino. Esta roupa não só protegia, mas era útil no percurso, sobretudo era um símbolo e parte da identidade peregrina.
Os caminhantes que usavam estas vestimentas eram reconhecidos como de fato sendo os peregrinos, facilitando a passagem pelos caminhos e a acolhida hospitaleira em cada parada ou passagem nos vilarejos. Com o passar do tempo, adquiriu um valor mais simbólico, se tornando uma espécie de distintivo do peregrino. Na verdade, alguns dos acessórios como o cajado ou a mochila eram abençoados antes da partida, atribuindo-lhes poderes espirituais e proteção (Walter, 2020).
Ao caminhar pelo Caminho de Santiago, os peregrinos usam com frequência algumas expressões que encontram suas primeiras manifestações já na Idade Média. O mais popular destes hoje em dia é o espanhol “Buen Camino!”. O objetivo é significar saudações e encorajamento para cumprir o propósito de uma chegada feliz a Santiago de Compostela. E tal é a universalidade desta expressão que ela é sempre pronunciada em espanhol mesmo por peregrinos que falam outras línguas, como parte de uma bela tradição e como uma justa homenagem ao seu significado religioso e histórico.
Durante a Idade Média por peregrinos germânicos com raízes flamengas, foi originalmente dito Ultreya, (vamos lá, siga em frente), e foi respondido com et Suseya (para cima, em busca por Deus). Em seu tempo também foi usado pelos Cruzados e foi gravado em uma canção no Codex Calixtinus. A saudação com estas duas palavras de absoluta simplicidade, são utilizadas tanto pelos moradores de vilarejos como pelos peregrinos. Desejam todo o bem possível entre os peregrinos que a cada ano se encontram nos diferentes caminhos desta rota de peregrinação. Também representa um sinal de fraternidade em plena conformidade com o mais nobre espírito cristão (Walter, 2020).
O Caminho de Santiago pode ser feito a pé, a cavalo ou de bicicleta, embora a maioria dos peregrinos escolha a tradição de caminhar a pé. Cabe também a cada peregrino escolher os caminhos das rotas que deseja seguir. De acordo com os dados disponíveis do Centro de Acolhimento ao Peregrino da Catedral de Santiago de Compostela, os caminhos mais populares são os Franceses, os Primitivos e o do Norte.
Estes aspectos simbólicos deram origem a ritos jacobinos, como o costume dos peregrinos queimarem parte das suas roupas ao chegar a Santiago de Compostela ou finalizar sua jornada em Finisterra (significa fim da terra), na província de Corunha, em sinal do início de uma nova vida. Estas práticas atualmente são desencorajadas e proibidas, pelos vários incêndios acidentais ocorridos nas regiões de Muxia e Finisterra.
Também era comum entre os peregrinos, principalmente entre os que não chegavam a Santiago, doar suas roupas a uma igreja ou guardá-las para, quando morressem, serem sepultados com elas.
A vestimenta do peregrino foi mantida ao longo dos séculos, com as correspondentes mudanças nas modas e estilos. Apenas o ressurgimento das peregrinações no final do século XX obrigou o peregrino moderno a adaptar o seu vestuário às novas necessidades do percurso. Os equipamentos esportivos substituíram definitivamente a indumentária tradicional, tendo o vestuário e o calçado técnico como protagonistas. Algumas roupas simplesmente evoluíram. Da capa e da esclavina passou-se ao uso de capas de chuva e agasalhos, o gorro ou o boné substituíram o chapéu de aba larga e as pequenas bolsas ou mochilas foram trocadas pelas cargueiras.
Atualmente, restam apenas alguns elementos, talvez por serem mais simbólicos. É o caso do cajado, muitas vezes, também substituído por bastões de caminhada e a clássica concha de vieira, complemento indispensável para qualquer peregrino.
3. OS CAMINHOS DE PEREGRINAÇÃO QUE LEVAM A SANTIAGO DE COMPOSTELA
O Caminho Francês é uma rota milenar de peregrinação que leva ao túmulo do Apóstolo em Santiago de Compostela. A partir da descoberta do túmulo do apóstolo Tiago, o Maior, no ano 850, esta cidade tornou-se um dos três lugares de peregrinação mais importantes da cristandade, assim como Roma e Jerusalém.
Castiñeiras et. al. (2010), relata que na história da peregrinação jacobina, há um primeiro estágio de rápida difusão desde a descoberta das relíquias até o século XI. A explosão da peregrinação jacobina ocorreu no século XII até meados do século XIV, foi então que se tornou a conhecida na Europa. Entre os grandes promotores do Caminho de Santiago está o Papa Calisto II (Guido da Borgonha) a quem foi atribuído o famoso Codex Calixtinus. A partir do século XIV, o fluxo de peregrinos diminuiu devido a epidemias de peste e conflitos sociais, mas seu declínio foi consequência, sobretudo, da Reforma Protestante no século XVII. Desde os anos sessenta do século passado, houve uma rápida recuperação da peregrinação jacobina em 1987. O Caminho de Santiago, gerado em princípio pela religiosidade medieval, também teve influência da cultura dos celtas em meados de 2000 a.C., amalgamando rituais místicos e pagãos, músicas e instrumentos irlandeses, espiritualidade, energias telúricas, resgate dos pecados, cumprimento dos votos, devoção ao Apóstolo, etc. – e favorecido pelas circunstâncias políticas, permitiu um intercâmbio contínuo entre os muitos povos que percorreram o percurso, sendo considerado um intercâmbio de natureza multidimensional (bens, culturas, tradições, saberes e valores) ao longo de vários períodos históricos.
Entre os vários caminhos que levam a Santiago de Compostela, o chamado Caminho Francês é o caminho histórico por excelência. Bem conhecido graças ao monge e peregrino do século XII, Aymeric Picaud que criou o Codex Calixtinus, que, em seu Liber Peregrinationis (1135-1140), traça sua rota da França a Santiago de Compostela com detalhes minuciosos sobre confortos, perigos e conselhos práticos (Castiñeiras et. al., 2010, p. 100-122).
Devido ao seu valor histórico e cultural, o Caminho Francês não só tem o privilégio do mais alto nível de proteção, mas também o reconhecimento internacional.
Declarado bem de interesse cultural na categoria de conjunto, a proteção inclui lugares, monumentos, centros urbanos e o próprio caminho. No entanto, o valor único do Caminho de Santiago é produto da soma de seus elementos, não apenas materiais, mas também imateriais: a devoção às relíquias de Santiago, seus símbolos, as boas-vindas ao peregrino, a rede de assistência, a bênção da missa do peregrino, as canções, as lendas, tudo isso constitui a peregrinação jacobina.
O Caminho de Santiago de Compostela foi declarado Patrimônio Mundial pela UNESCO em 1985. Inicialmente, apenas o Caminho Francês (distância média de 764 Km a 800 km, com duração de 33 dias até Santiago de Compostela) havia recebido essa distinção em 1993. No entanto, em 2015, as rotas dos Caminhos do Norte (Caminho Costeiro, Caminho Primitivo, Caminho Lebaniego e Caminho Interior Vasco-Riojano) também foram incluídas no Patrimônio Mundial.
Essas rotas reconhecidas recentemente estão diretamente ligadas ao surgimento do fenômeno jacobino e à promoção da peregrinação pelo reino de Astúrias no século IX.
4. MOTIVOS DAS PEREGRINAÇÕES NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO
A autotransformação tem sido o motivo original das peregrinações. Para os cristãos, tem sido uma transformação que leva o peregrino para mais perto do Céu, para os budistas, uma transformação em direção ao Nirvana e para os hindus, uma transformação em direção à unidade com Deus. Embora diferentes religiões tenham vários objetivos, o aspecto transformador permanece o mesmo (Paiva; Zangari, 2004).
Uma peregrinação pode ser definida como “uma jornada de peregrinação pode ser resultante de causas religiosas, externamente para um local sagrado e internamente para propósitos espirituais e compreensão interna” (Paiva; Zangari, 2004, p. 155).
No mundo ocidental, onde as práticas religiosas estão diminuindo, as peregrinações têm experimentado um renascimento e aumento. De acordo com estudos recentes não são consideradas um renascimento religioso as práticas de peregrinação moderna. Em vez disso, os pesquisadores Machado et. al. (2019) sugerem que as peregrinações modernas são um fenômeno multidimensional que atrai peregrinos com várias motivações, por exemplo, um desafio físico ou uma busca espiritual. Essa complexidade segundo os autores dever ser compreendida interdisciplinarmente.
As peregrinações têm sido estudadas a partir da década de 1960, no campo da psicologia, filosofia, teologia, antropologia, arqueologia, museologia, sociologia e história, turismo e geografia. Estes estudos indicam que o ato de peregrinação tem potencial para criar significado e podem ser um recurso sociocultural potencial para pessoas que passam por uma transição de vida ou crise existencial (Paiva; Zangari, 2004).
A diferença entre peregrino, turismo[4] religioso e o turismo cultural se torna distinta no que se refere ao contexto, motivação, percepção da jornada e exploração da viagem. O peregrino viaja com a intenção assumida de viver uma experiência espiritual ou religiosa. A religiosidade e o conhecimento das práticas litúrgicas e devocionais, permite-lhes participar no culto e interpretar o sentido do lugar. Ele precisa cumprir a rota espiritual da jornada pré-definida, com paragens intermédias em pontos religiosos assinalados pela presença de relíquias insignes, necessita obter uma credencial de peregrino para posteriormente receber a Compostela, certificação da conclusão da jornada do Caminho de Santiago (Roque; Forte, 2018).
Da mesma forma, há também os turistas com motivações religiosas, mesmo que não participem da crença que lhe está associada, têm um conhecimento prévio similar aos peregrinos, que lhes permite apreender o sentido inerente aos espaços. Porém o enfoque do turista cultural está na viagem histórica, conhecer locais atrativos, divertir, degustar a gastronomia, fotografar, filmar e registrar as paisagens (Roque; Forte, 2018).
Conforme Roque; Forte, (2018) esclarecem que enquanto a viagem turística é, sobretudo, uma forma de ruptura com o cotidiano e o turismo cultural se move pelo objetivo de conhecer o patrimônio de novos lugares ou de participar em experiências diferenciadas; já no caso do turismo religioso, a motivação inclui um sentido místico e uma intenção de caráter espiritual, o qual constitui o propósito central, senão único, num contexto de peregrinação. Contudo, a experiência da viagem é individual e circunstancial. Isto significa que a separação entre peregrinação e turismo, seja de caráter religioso ou cultural, é instável e intermitente dentro do mesmo percurso, ou seja, tanto o turista pode ter momentos de introspeção espiritual e religiosa, como o peregrino pode se envolver em outras atividades como visitas locais exploratórias e ou mais profanas, como ir a tavernas, bodegas para degustar bebidas alcoólicas e entretenimento cultural (ouvir músicas, contação de histórias dos moradores dos vilarejos).
O aumento do turismo cultural, de lazer e nos espaços religiosos tem aumentado exponencialmente na última década, indiferenciando de outros destinos turísticos com valia patrimonial. O visitante comum se prende aos aspectos externos do culto, substituindo a intenção de uma vivência espiritual pela experiência de algo diferente e fora do comum, cujo caráter extraordinário é representativo da identidade cultural e social do local de destino. Por outro lado, os espaços religiosos são cada vez mais frequentados por turistas, numa tendência que é, geralmente, contrária à da frequência dos fiéis. A maioria dos turistas visita os espaços religiosos inseridos em programas de turismo cultural, onde o desconhecimento da funcionalidade litúrgica e dos conceitos teológicos que lhes estão associados são ignorados, portanto impede a compreensão do espaço e, por consequência, pode conduzir a comportamentos considerados inapropriados, desrespeitosos ou perturbadores do culto e da devoção que ali se pratica, banalizando ou ignorando o local considerado como sagrado (Dalgalarrondo, 2011; Roque; Forte, 2018).
Na conjuntura contemporânea, estas alterações integram-se no fenômeno mais vasto da laicização da sociedade pós-moderna ocidental, acompanhada pelo declínio das igrejas judaico-cristãs e do culto religioso, em simultâneo com a introdução de novas práticas ritualísticas cotidianas.
Todos estes fatores contribuem para uma crescente iliteracia acerca de temas relacionados com a religião, os quais constituem a matriz cultural, patrimonial e artística do mundo ocidental e que eram do conhecimento comum até há algumas décadas. Do ponto de vista do visitante, a falta de conhecimento acerca do lugar, também deteriora a qualidade da experiência. Esta situação, que se verifica na maioria dos destinos turísticos em todo o mundo, afigura-se como potencialmente ameaçadora da integridade espiritual do espaço religioso, no sentido em que pode provocar a transformação dos locais de culto em atrativos meramente turísticos, com um impacto negativo na autenticidade do lugar. No entanto, por trazer novas demandas de pessoas, também cria algumas oportunidades e vantagens, quer sejam de ordem econômica, financeira e de gestão, quer seja de informação religiosa e esclarecimento acerca dos princípios espirituais.
Para suprir a iliteracia dos visitantes, nos seus diferentes registos de conhecimentos, memórias e competências, uma das vias passa pela disponibilização da informação que, até recentemente, era de conhecimento comum. A introdução de instrumentos de mediação, como a realização de visitas guiadas, que contribuam para a interpretação e a compreensão dos espaços tem vindo a ser assumida como uma estratégia de sustentabilidade, segundo o argumento de que o visitante se sente mais impelido a preservar e a respeitar um local, na medida em que o conhece e compreende o seu significado. Outra solução passa pela musealização dos locais, criando tabelas e textos explicativos que permitam a identificação e a compreensão básica dos vários elementos dentro do espaço religioso. No entanto, a introdução de dados em suporte analógico pode gerar um nível de ruído visual que perturbe a observação e a vivência do espaço religioso (Roque; Forte, 2018).
Atualmente há investimentos na criação de novas estratégias através de equipamentos da tecnologia digital, em áudio, vídeo, de mediação cultural não invasivos, que contextualizem a arquitetura e a arte, compressão litúrgica e simbólica do local, bem como componentes tangíveis e intangíveis. Neste sentido, a tecnologia digital disponibiliza ferramentas que permitem processar, visualizar e disseminar uma grande quantidade de dados, adequando-os às competências e expetativas de cada um, através da possibilidade de personalização de acessos e acessibilidade a todos (Roque; Forte, 2018).
A estratégia mais elementar é a criação de visitas virtuais que permitem o conhecimento prévio do espaço, através de simulações que, a partir de um conjunto de fotos e vistas panorâmicas até 360º, percorrem o local a partir de um determinado ponto de vista em interação com o utilizador. Em geral, integram outros elementos multimédia, documentos textuais e ligações a URLs externos, como por exemplo, visita virtual à Catedral de Santiago de Compostela[5] em 3D (2017). Isto implica a existência de um trabalho prévio de investigação e de levantamento do patrimônio, com informação estruturada em vários níveis do mais básico ao mais especializado e erudito, permitindo o acesso a repositórios de dados relativos à história, à arquitetura e à função religiosa do espaço. Qualquer que seja a estratégia de mediação efetuada, a experiência da visita pode se tornar uma vivência espiritual, atenuando as fronteiras entre peregrino, turista religioso e turista comum. Ou seja, tanto o turista religioso prolonga o desígnio da viagem com atividades de lazer em espaços profanos, como o turista comum pode ter uma experiência espiritual no espaço religioso, o que implica que a mediação cultural seja diferenciada e personalizável (Roque; Forte, 2018).
A prática do turismo na contemporaneidade inclui a busca do imaterial e do simbólico, refletindo a vontade de regressar às fontes matriciais da identidade do território e da cultura, em contraponto à padronização de um cotidiano cada vez mais globalizado.
Para o peregrino, ou para o turista, o patrimônio religioso oferece a autenticidade do espaço físico, real e tangível, a que o uso de ferramentas digitais acrescenta a informação necessária à sua compreensão e a possibilidade de uma experiência imersiva exigida pelo turismo criativo.
5. A COMPREENSÃO DA PEREGRINAÇÃO NUM CONTEXTO POLISSÊMICO
A Psicologia da Religião é o estudo do fenômeno religioso sob uma perspectiva psicológica. Ela investiga como as crenças religiosas, práticas e experiências afetam o comportamento, as emoções e o bem-estar das pessoas. Em outras palavras, busca compreender a relação entre a religião e a psicologia humana, analisando tanto o indivíduo quanto o grupo religioso. Essa área explora desde a oração e a meditação até a experiência mística e a conversão religiosa, contribuindo para a compreensão da vida interior e da fé (Zangari; Machado, 2018).
Fig. 4 – Teto da Capela Sistina, afresco “A criação de Adão”, Michelangelo Buonarrotti, (1511).
Fonte: Wikipedia, domínio público, 2024.
As pessoas buscam a religião por diversos motivos, e esses motivos podem variar de acordo com a experiência individual. Podemos citar algumas razões comuns:
Busca por Significado e Propósito, a religião oferece um sistema de crenças que dá significado à vida e responde a perguntas fundamentais sobre existência, moralidade e destino. Ela ajuda as pessoas a encontrarem um propósito maior e a lidar com questões existenciais.
Conforto em Momentos Difíceis, a religião proporciona consolo e esperança em tempos de dificuldade, como perdas, doenças ou desafios pessoais. A fé oferece um suporte emocional e espiritual para enfrentar adversidades.
Conexão com o Transcendente, muitos buscam a religião para se conectar com algo maior do que eles mesmos. A busca pelo sagrado, pela transcendência e pela espiritualidade é inerente à natureza humana.
Moralidade e Valores, a religião ensina valores morais e define o certo e o errado. Ela oferece diretrizes éticas para orientar a conduta dos indivíduos e da sociedade.
Identidade e Pertencimento, participar de uma comunidade religiosa proporciona um senso de identidade e pertencimento. As pessoas encontram conexões sociais, amizades e apoio dentro desses grupos. (Paiva, 2022, p.134; grifos próprios)
A peregrinação em si é um mundo dentro e entre mundos e, como tal, uma experiência de liminaridade e antiestrutura que pode facilitar o distanciamento da vida cotidiana e a autotransformação, experiências liminares frequentemente facilitam sentimentos profundos de “humanidade” e “igualdade”.
A este fenômeno Turner (1974) introduziu o termo communttas[6] para essa experiência de laços humanos genéricos entre pessoas que enfrentam a transformação juntas. A palavra “communitas” tem origem no latim e significa “comunhão” ou “partilha”. Teóricos recentes ampliaram ainda mais o conceito de liminaridade. As estruturas que sustentam nossas idas nunca são totalmente estáveis, e isso dá origem à forma básica de “liminaridade ontológica”[7].
Ela carrega consigo a ideia de união, cooperação e solidariedade entre seus membros. Esse conceito de Turner (1974) é especialmente relevante em contextos como peregrinações, onde pessoas que compartilham uma meta comum criam vínculos especiais e uma identidade comum durante a jornada. O autor estudou esse fenômeno e considera que as peregrinações eram rituais divididos em três fases: separação, liminaridade e agregação. Na fase de liminaridade, durante a peregrinação, as pessoas se afastam das normas sociais e compartilham um motivo comum, criando uma identidade igualitária. Essa experiência transformadora é o que ele chamou de communitas. É como se, temporariamente, as condições sociais prévias deixassem de existir, e todos os peregrinos estivessem no mesmo nível, iguais e unidos. (Turner; Turner, 1978).
Monteiro (2023) aponta que fazer uma peregrinação geralmente é motivado por uma deficiência subjacente percebida no bem-estar mental ou físico, considerada a fase de agregação/transformação. Da mesma forma, os peregrinos antes de fazer o Caminho de Santiago de Compostela se sentiam desconectados de seus valores, e ao trilhar pelo Caminho parece criar um espaço para reconexão com valores e significado. Portanto, a peregrinação é uma jornada ambivalente porque cada passo leva para longe do que é familiar em direção ao desconhecido. É uma dialética que requer uma certa capacidade de equilíbrio para estar imerso no desconhecido sem se afogar nos próprios dilemas existenciais.
As peregrinações têm o potencial de implicar um movimento interno de construção de significado, bem como um movimento externo de encontros com objetos simbólicos e paisagens catalisados pela arquitetura ou relíquias sagradas. Sendo assim, Zangari et al. (2018) explicam que fazer um caminho de peregrinação, é como uma espécie de metamovimento que envolve um movimento externo, um interno individual e subjetivo.
Nos últimos anos, surgiram estudos examinando os efeitos que as peregrinações têm no bem-estar mental. O bem-estar mental é definido pelos autores Zangari et. al., (2018), como um estado interno de equilíbrio, onde o indivíduo tem a capacidade de expressar e modular emoções, usar suas habilidades, ter habilidades cognitivas e sociais básicas, ter flexibilidade e capacidade de lidar com eventos adversos da vida e se envolver em relacionamentos sociais harmoniosos. Portanto, o bem-estar mental tem um aspecto social, emocional e cognitivo.
Seryczynska (2019), descobriu que o fenômeno do escapismo, é considerado como fuga para o mundo da ilusão e da imaginação em numerosos estudos sociológicos e psicológicos, mas ainda não foi pesquisado de uma perspectiva teológica ou descrito no contexto da peregrinação. No entanto, os estudos existentes encorajam esse tipo de reflexão, indicando que o escapismo parece ser uma das maneiras de resolver problemas sociais voltando-se para a religiosidade. Este é o caso dos peregrinos em sua jornada em Santiago de Compostela. Os estudos de peregrinos revelam as motivações escapistas por trás da decisão de fazer uma jornada e os efeitos terapêuticos da peregrinação.
Neste contexto, o escapismo dos peregrinos é um processo criativo de transformação de algo novo em sua identidade. Descobriram que fazer uma peregrinação pode ser um processo de, por exemplo, auto imersão, melhor forma, melhorar o sono, persistência e enfrentamento. Alguns profissionais, no entanto, têm criticado a ideia de peregrinação como terapia para tratar de sofrimentos emocionais. Foram estudados pela autora, trinta e oito casos de recaídas psicóticas, bipolares e depressivas, e foi sublinhado que a ausência de papéis tradicionais de paciente-terapeuta torna o Caminho significativamente diferente de um ambiente terapêutico, acompanhamento psiquiátrico e uso de medicações. Em vista disto, a questão de prescrever a jornada do Caminho de Santiago como forma de terapia para pessoas com sofrimentos emocionais (depressão, ansiedade, esquizofrenia, quadros psicóticos, transtornos do humor, insônia e estresse) deve ser mais pesquisada realizando estudos longitudinais.
Os resultados do estudo da pesquisadora Seryczynska (2019) indicam que o Caminho de Santiago é uma experiência multidimensional. É uma jornada com aspectos físicos, mentais, sociais e espirituais. Porém, não é mais um ritual religioso formal, em sua pesquisa mais de 60% de peregrinos tinham espiritualidade (e, portanto, uma relação com algo transcendente) com o tema. Estudos anteriores indicam que os motivos religiosos foram mais prevalentes, mas os motivos encontrados neste estudo são principalmente espirituais.
Os motivos psicoexistenciais foram altamente prevalentes, em relação às motivações e ao resultado da experiência do Caminho. Segundo a pesquisadora Seryczynska (2019), 58% dos peregrinos descreveram o Caminho como uma experiência autêntica, marcada pela intensidade, singularidade e significado, o que é semelhante a descobertas em estudos anteriores. Além disso, a experiência do Caminho parece ter um potencial de “criação de significado”. Talvez devido aos movimentos repetitivos e monótonos que parecem aumentar o fluxo interno de consciência. A comunidade na estrada, a ideia de pertencer a uma família de companheiros peregrinos, os encontros multiculturais, os rituais, a rota histórica e as vistas lendárias são ingredientes que alimentam a experiência do Caminho com autenticidade e significado.
A alta prevalência de pessoas motivadas por uma crise de vida se alinha com a compreensão de que os peregrinos são movidos por uma deficiência subjacente percebida.
Numa perspectiva turneriana, pode-se considerar que as peregrinações são vistas como rituais de transição, uma crise de vida pode estar relacionada a uma busca por transição, o que significa que o aspecto liminar da peregrinação pode ser atraente para aqueles que têm motivos psicoexistenciais. A liminaridade é associada a uma fase experiencial de passagem durante a qual normas e estruturas familiares são suspensas, e essa suspensão pode aliviar uma mente em sofrimento emocional e facilitar processos autotransformativos. Por outro lado, o Caminho pode refletir um estado de transição, o que significa que atrai pessoas que já estão em um estado de liminaridade devido, por exemplo, à perda de emprego, parceiro ou outro significado de luto ou crise. O mundo dentro e entre os mundos, que o Caminho fornece, facilita a liberdade para explorar e recriar novas identidades. Embora o Caminho não esteja mais associado a uma promessa religiosa de salvação, ele ainda está ligado a uma narrativa associada a expectativa de transformação. Também há indicadores de que os peregrinos se sintam em comunhão com outros peregrinos, como Turner (1974) definiu no fenômeno de communitas (Seryczynska, 2019).
Caminhar imerso na natureza, demonstrou ter efeitos positivos no bem-estar dos peregrinos. O Caminho reencena nosso passado nômade como caçadores-coletores itinerantes e nos aproxima das condições que dominam o ambiente de adaptação evolutiva sob o qual nós, como espécie, nos desenvolvemos, e isso pode aumentar a autenticidade e o significado das narrativas dos peregrinos. Como efeito colateral, a peregrinação a pé pode facilitar várias mudanças físicas e mentais, por exemplo, melhor condicionamento físico e forma corporal, redução da excitação e do estresse, melhora do humor, melhora do sono e resistência, mais autorreflexão e habilidades de enfrentamento (Soler et. al., 2021; Martinez, M., 2008).
Sendo assim, o Caminho tem potencial para ser uma experiência holística que fortalece o bem-estar mental e físico, sendo considerado uma manifestação externa de uma jornada interior, uma alegoria da jornada da alma ou jornada do herói[8]. (Soler et.al., 2021; Martinez, M., 2008).
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, as peregrinações na contemporaneidade permitem uma experiência transformadora e não apenas uma forma de escapismo ou evitação. A experiência do Caminho pode ser descrita por seis temas emergentes, experiência autêntica, caminhada na natureza, autotransformação, comunidade, simplicidade e espiritualidade. Esta fenomenologia multidimensional aponta que as peregrinações são experiências culturais, turísticas e com aspectos holísticos físicos, mentais, espirituais e sociais. A diversidade da experiência da caminhada pode ser uma razão pela qual atrai um número crescente de peregrinos, mesmo de países altamente seculares (Soler et. al., 2021).
Alves (1994) renomado educador, psicanalista e filósofo, aborda a religião como a busca da felicidade, utopia e esperança de maneiras profundas, estéticas e poéticas. Ele defende que a dimensão humana depende do envolvimento integral com a harmonia, formação plena e autonomia, e para alcançar essa condição, é necessário cultivar o imaginário e o gosto pelo que é verdadeiramente bom e belo na vida e na natureza. O autor enfatiza que os sentidos físicos – visão, audição, olfato, paladar e tato – são como órgãos para fazer amor com o mundo e encontrar prazer nele. Experiencias encontradas nos caminhos de peregrinação.
O autor compreende a religião como uma expressão humana, permitindo que as pessoas transcendam os limites da realidade e busquem um mundo de amor e significado. Considera que a religião está mais próxima do nosso cotidiano do que imaginamos. Não se trata apenas de atos sacramentais ou peregrinações a lugares sagrados, mas as perguntas que devemos fazer sobre o sentido da vida e da morte. Para o autor, as esperanças religiosas ganharam novos nomes e rótulos na pós-modernidade, contudo continuam a pulsar nas questões fundamentais de questionamentos existenciais do homem. Sua visão destaca a empatia e a alteridade como motores do pensamento religioso e espiritualidade, que remete os seres humanos na procura eterna da busca de compreensão de si mesmo, da vida, da morte e da existência de Deus.
Concluímos nossa jornada deste capítulo, com a letra da canção “Se Eu Quiser Falar Com Deus” (1981), composta e interpretada por Gilberto Passo Gil Moreira [9]. A música remete a uma profunda reflexão sobre a busca espiritual e a comunicação com o divino. A letra descreve a necessidade de se despir de preocupações materiais e do ego para se conectar verdadeiramente com o divino e ouvir a nossa interioridade. Também escancara as contradições e a mesquinharia dos representantes religiosos em relação aos fiéis questionando a devoção cega. Citamos um trecho da música:
“Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus
Tenho que ter amor
Muita gente tem amor
Mas não se sabe amar (…)”
Assim, a jornada espiritual nesta melodia é retratada como uma busca interior, onde o homem deve enfrentar a dor, a humildade e a solidão para alcançar a comunhão consigo mesmo e com Deus. A música é um convite à reflexão sobre nossa própria busca espiritual, autorreflexão e os obstáculos que enfrentamos no caminho da nossa existência.
REFERÊNCIAS
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ZANGARI, Wellington., MACHADO, R. Fátima. (Orgs.). Psicologia, & Religião: Histórico, subjetividade, saúde mental, manejo, ética profissional e direitos humanos. Cartilha Virtual em PDF e áudio, 2018. Disponível: https://www.interpsi.org/cartilha. Acesso em: 12 de agosto, 2024.
Anexos de imagens:
Fig. 1 – Peregrino no Caminho de Santiago de Compostela, Espanha. Centro de Acolhimento ao Peregrino da Catedral de Santiago de Compostela. Disponível: https://oficinadelperegrino.com/en/. Acesso em: 9 de agosto, 2024.
Fig. 2 – Catedral de Santiago de Compostela, Espanha. Disponível: https://pt.wikipedia.org/wiki/Catedral_de_Santiago_de_Compostela#/media/Ficheiro: Fachada_do_Obradoiro_2011-09-11_174-3(3v).jpg. Acesso em: 9 de agosto, 2024.
Fig. 3 – Santuário da Virgem da Barca, Muxia, Espanha. Disponível: https://pt.wikipedia.org/wiki/Santu%C3%A1rio_da_Virgem_da_Barca#/media/Ficheiro:Vistas_do_Santuario_da_Virxe_da_Barca,_Mux%C3%ADa,_Galiza.jpg. Acesso em: 9 de agosto, 2024.
Fig. 4 – BUONARROTI, Michelangelo., (1511). Teto da Capela Sistina, arabesco “A criação de Adão”. Disponível: https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Cria%C3%A7%C3%A3o_de_Ad%C3%A3o#/media/Ficheiro:God2-Sistine_Chapel.png. Acesso em: 9 de agosto, 2024.
[1]Psicóloga Clínica e Escolar (UNISANTOS), Pós-Graduada em Psicopedagogia (UNISANTOS), Psicanalista Psicodinâmica e análise do Contemporâneo (PUCRS), Terapeuta Cognitiva Comportamental e proprietária do consultório particular Instituto Inclusão Brasil, São Vicente-SP. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4036950234432661 E-mail: marinaalmeida@institutoinclusaobrasil.com.br
[2] Paulo Coelho, escritor brasileiro, autor do livro “O Diário de um mago”, publicado em 1988. A partir de sua peregrinação a Santiago de Compostela, o autor constrói esta fascinante parábola, que trata da necessidade de encontrar o próprio caminho. Sua jornada se inicia com a orientação de um guia que lhe apresenta exercícios de meditação e reflexão que aos poucos vão transformando a forma que ele vê o mundo. Parte história de aventura, parte guia de autoconhecimento, este livro oferece uma combinação de encantamento e inspiração. Publicado em 150 países e traduzido para mais de setenta idiomas, é uma das obras mais importantes do autor. Nesta obra o autor expõe sua filosofia humanista e introduz a profundidade de sua busca espiritual.
[3]Filme “The Way” – O caminho, 2010. O oftalmologista Tom Avery (Martin Sheen) e seu único filho Daniel (Emilio Estevez) têm uma relação distante. Quando o rapaz viaja para a Espanha para cruzar o Caminho de Santiago de Compostela, acaba perdendo a vida em uma fatalidade. Tom, então, vai até a França para recolher o corpo de seu filho. Chegando lá, ele resolve fazer o Caminho, completando o percurso que Daniel havia começado levando junto as cinzas do rapaz. Durante a empreitada, ele encontra companheiros que vão lhe mostrar que nenhum caminho deve ser percorrido sozinho. Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=vHLaW3H_fHc. Acesso em: 8 de agosto em 2024.
[4]A palavra turismo é usada em nosso idioma como um empréstimo do termo tourism em inglês que, por sua vez, vem do francês tour, que significa “dar uma volta”. No entanto, sua origem remota provém do vocábulo tornus em latim, que quer dizer movimento ou volta. Disponível: https://etimologia.com.br/turismo/. Acesso em: 8 de agosto em 2024.
[5]Visita virtual à Catedral de Santiago de Compostela. (2017). Disponível: https://www.museocatedraldesantiago.gal/es/una-visita-virtual-a-la-catedral-de-santiago/. Acesso em: 17 de agosto em 2024.
[6]Victor Turner (1920-1983), antropólogo britânico que dedicou boa parte de seus esforços intelectuais ao entendimento das simbologias subjacentes aos rituais, deu contribuição significativa à compreensão das práticas rituais ao refinar a noção de liminaridade e elaborar, a partir dela, o conceito de communitas.
[7]O autor concebe a ideia de liminaridade como correspondendo a um momento de margem dos ritos de passagem: fase ritual na qual os sujeitos apresentam-se indeterminados, em uma espécie de processo transitório de “morte” social, para, em seguida, “renascerem” e reintegrarem-se à estrutura social. Noleto, Rafael Da Silva & Alves, Yara De Cássia. “Liminaridade e communitas – Victor Turner”. In: Enciclopédia de Antropologia. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Antropologia, 2015. Disponível em: Liminaridade e communitas – Victor Turner | Enciclopédia de Antropologia (usp.br). Acesso em: 8 agosto, 2024.
[8]A jornada do herói é um método de estruturação de narrativas que procede de dois campos do conhecimento. O primeiro é a mitologia na perspectiva do norte americano Joseph Campbell. O segundo é a psicologia humanista do suíço Carl Gustav Jung. A autora Monica Martinez, em seu livro “A jornada do herói: Narrativa mítica e histórias de vida no jornal” (2008), acrescenta mais dois componentes, o estudo da jornada da heroína ou as especificidades das histórias de vida femininas, e a biografia humana, método da medicina antroposófica que permite a identificação dos potenciais e crises nas diversas fases da vida. Resulta uma contribuição a todos interessados em compreender ou escrever narrativas biográficas de curta ou longa extensão.
[9] Gilberto Passo Gil Moreira, cantor e compositor, brasileiro. Compôs letra e música da canção “Se Eu Quiser Falar Com Deus”, pela gravadora © Sony/ATV Music Publishing LLC, criada em 1980 e lançada em 1981.
Marina da Silveira Rodrigues Almeida – CRP 06/41029
Psicóloga Clínica, Escolar e Neuropsicóloga, Especialista em pessoas adultas Autistas (TEA), TDAH, Neurotípicos e Neurodiversos.
Psicanalista Psicodinâmica e Terapeuta Cognitiva Comportamental
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