O SUJEITO PÓS MODERNO E AS NOVAS TECNOLOGIAS

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O sujeito pós-moderno apresenta-se com uma subjetividade diferente do indivíduo moderno. E a cultura também se modificou, o que antes se alicerçava na ordem, agora se alicerça no hedonismo. As criações humanas são facilmente destruídas, e a ciência e a tecnologia, que as construíram, também podem ser utilizadas para sua aniquilação. E, por fim, acreditar que um instinto para a perfeição resida no ser humano é uma grande ilusão, porque o instinto reprimido nunca deixa de esforçar-se em busca da satisfação completa, que consistiria na repetição de uma experiência primaria de satisfação.

O sujeito contemporâneo está tomado pelas pulsões de vida e de morte. Porém, deve-se compreender a força dos impulsos, principalmente os destrutivos, pois estes colocam uma impossibilidade a qualquer união estável e definitiva, seja intrapsíquica ou intersubjetiva, o conflito entre pulsões de vida e morte jamais será solucionado. Fica estabelecido que a condição humana apresenta-se amalgamada por este conflito.

Parece existir um mecanismo atual permeado pelo imediatismo, o prazer sendo buscado de forma abusiva, a “ditadura da eficiência”, a busca do prazer a qualquer custo e o individualismo.

Desta forma, pode-se analogamente pensar a pulsão de vida e de morte que amalgamadas podem transmitir uma ideia de crescimento, mas na realidade, como diria Freud às pulsões estariam sendo direcionadas para o inorgânico. Isto não significa que a tecnologia seja algo prejudicial, mas sim a forma com que tem sido utilizada, afinal as pulsões são características do humano e não do tecnológico.

O Psicanalista Antonino Ferro, nos adverte sobre a exposição humana a uma quantidade excessiva de estímulos originados dos desvirtuamentos sociais, só proporcionando um aumento dos estímulos, mas não há uma forma de liberá-los. No entanto, enfatiza, citando os transtornos de caráter, transtornos narcísicos, doenças psicossomáticas e o não pensar como formas de liberação para tal situação angustiante da contemporaneidade.

O imediatismo, o tempo desenfreado e a busca da satisfação imediata que o mundo globalizado imprime, pelos meios expressos de comunicação, as novas tecnologias dentre outros dispositivos, modificam as relações humanas e a forma de pensar.

Um retorno a Freud, sugere que as “neuroses atuais” correspondam às primeiras observações psicanalíticas dessas manifestações; ainda que a hipótese etiológica formulada por Freud sobre as “neuroses atuais”, baseada no acúmulo de tensão sexual, precise ser revista. Sabemos que a sexualidade está fora de propósito e sem significação alguma quando não temos asseguradas a própria existência, sua sobrevivência e sua identidade; tais são as angustias destes pacientes neste momento.

Na clínica encontramos cada vez menos pacientes que conseguimos verdadeiramente “classificar num quadro nosológico”, se quisermos ser rigorosos, ou no quadro das estruturas neuróticas ou das estruturas psicopatológicas. A questão maior se desloca para a irrealidade e futilidade da existência dos pacientes, para a crise de identidade destes sujeitos.

Atualmente na clínica também recebemos muitos jovens e adultos com funcionamento borderline, tais sujeitos gritam por compreensão, nos desafiam na prática clínica, nas relações transferências e contratransferências. Estamos tentando compreender o que se passa, pretendendo auxiliar o homem do século XXI a encontrar alguma luz em seu caminho solitário. Muitas das características e angustias apresentadas por estes sujeitos não são exclusivas dos pacientes borderline, mas podem ocorrer em outros pacientes, em grau menor de gravidade. Algumas delas talvez estejam presentes em nós, humanos não encontrados em classificações psicopatológicas, mas pessoas inseridas neste mundo atual confuso e com parâmetros cada vez menos definidos.

A quebra de valores tradicionais que aconteceram ao longo do século XX levou o ser humano a uma crise existencial, a solidão provocada pela ruptura da família e dos laços de solidariedade, pelo individualismo crescente, pela competição feroz em uma sociedade em contínua transformação.

O mundo que se retratava na modernidade, era um mundo em que nada de obscuro ou impenetrável se colocava no caminho do olhar, onde a harmonia não podia ser quebrada, nada fora do lugar, sem “sujeira” e sem estranhos. Já, na pós- modernidade; criar novos estranhos é uma de suas características. Algo que complementa a ideia da pós-modernidade, é a relação consumo e indivíduo, a felicidade depende do consumo, caso contrário serão estes “consumidores falhos” novos impuros.

A vida globalizada traz ao indivíduo a ambivalência mais acentuada, o excludente que tanto divide como une, divide enquanto une, e as causas da divisão são idênticas as que promovem a uniformidade do globo.

A “vida líquida” é um modo de viver que tende a ser levada à frente de uma sociedade “liquido moderna”, segundo Bauman, que se transforma rapidamente, com atitudes que mudam num tempo menor do que o necessário para a afirmação, consolidação de hábitos e rotinas, impossíveis para o ser humano elaborar em seu psiquismo de forma rápida.

O perfil dos nossos pacientes contemporâneos é exatamente a falta de reflexão, a dificuldade em entrar em contato com os afetos, emoções, estabelecer vínculo humano com intimidade, contudo encontramos exatamente ao inverso, tudo tem que acontecer já, tudo tem que ser agora, tudo posso descartar, deletar, bloquear e me livrar rapidamente, tudo tem que ser satisfeito agora como se não houvesse amanhã. E as novas tecnologias atendem estas demandas, contudo de forma a desumanizar, porque oferece a possibilidade da gratificação imediata aonde “o céu não é o limite”.

Não temos que ser contra as novas tecnologias e, sim questionar, entender a maneira como o ser humano está fazendo uso desta ferramenta tecnológica, as consequências e desdobramentos futuros. Mas, esta condição volátil de se relacionar com o mundo não impede a dor humana. E assim, se desencadeia uma nova cultura, a cultura do somático, da solidão, do individualismo, do hedonismo. Disputa-se decididamente não apenas a “longevidade e a juventude eterna”, mas também a imortalidade, por meio das novas tecnologias. Temos de tudo, desde fertilização assistida, barrigas de aluguel, congelamento de embriões, congelamento pós-morte, botox, cirurgias plásticas, cirurgias de redesignação de gênero, aquisição de óvulos e espermas para fertilização in vitro para conceber um super bebê ou um bebê perfeito, todo tipo de farmacologia, drogas licitas/ilícitas, produtos dermatológicos para embelezamento estético, e todo tipo de aquisição de consumo de objetos, roupas, inutilidades, etc.

Na pós-modernidade o sujeito é fragmentado, sem identidade e origem, centrado em si, mas preocupado com o olhar do outro.

Se a subjetividade moderna constitui-se no duplo registro da interioridade e da reflexão sobre si mesmo, a subjetividade contemporânea sustenta o paradoxo de um autocentramento voltado para a exterioridade, em que a dimensão estética, dada pelo olhar do outro, ganha destaque. Temos como exemplos, desta a busca desenfreada de aprovação do ser humano nas redes sociais, como a necessidade dos likes, dos selfies, das imagens instantâneas do Instagram, aos sites de relacionamentos, pornografia e perversões de toda ordem, como esvaziamento dos afetos e busca por preenchimento da solidão e prazer imediatos.

Estas relações e as pulsões demonstram como a subjetividade atual apresenta um grito da pulsão de morte frente às descobertas e ideias que parecem crescimento, união e vida. Ou seja, as relações, dos sujeitos contemporâneos se apresentam mais isoladas e distantes do que nunca, efetivamente, umas das outras, apesar das relações virtuais nas redes sociais de relacionamentos, com mil amigos no Facebook. Contudo, são contatos efêmeros, superficiais, na realidade se esconde o medo do vínculo, as dificuldades de proximidade e do contato humano. Visto que para se vincular é necessário lidar com uma complexidade de afetos, frustrações e entrar em contato com a realidade dura e crua. Portanto, num mundo virtual, tudo isso se torna facilitado, com mínima frustração, oferecendo um controle onipotente preenchido por fantasias e imagens, como por exemplo, a alienação construída de uma realidade paralela dos Avatares.

Entretanto, essas formas de relações superficiais acabam deixando dores que não são elaboradas. Esse distanciamento traz o sentimento de desamparo diante do mundo, em suas diversas dimensões. Se não for por meio da frustração não haverá crescimento humano, e diminuir na cultura pós-moderna, o espaço concedido ao sofrimento psíquico é o mesmo que aniquilar a dimensão da subjetividade.

Neste momento, evidencia-se no pós-moderno as expressões da pulsão de morte vinculadas ao caráter regressivo das pulsões e a cultura da anti-mente das novas tecnologias que desumaniza e são expressões de tentativas ao retorno, ao quase sem excitação. Com isto, seguindo a lógica de Freud o intuito da mente, permeada pela pulsão de morte, deseja retornar ao inorgânico, ao que não apresenta excitação, e assim, suprimir o estado de tensão. Se não há repressão instaurada pela civilização, o conflito deixa de situar-se fora para situar-se dentro do sujeito. Ou seja, há uma briga do indivíduo com ele mesmo, buscando realizar o irrealizável e ficando com o vazio da alma como consequência deste dilema psíquico.

A sociedade e suas facetas que permeiam o trabalho clínico apresentam-se em constante movimento e inúmeros desafios dos diversos sofrimentos do homem contemporâneo, aos quais também estamos inseridos.

Enfim, novos estudos, pesquisas, indagações e reflexões serão importantes para ampliarmos nossa compreensão afetiva nos auxiliando a construir um trabalho clínico continente e nos instrumentalizarmos como psicoterapeutas e seres humanos do século XXI.

BIBLIOGRAFIA

BAUMAN, Z. O mal estar na modernidade. Rio de Janeiro: Zahar 1998.

______________.Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

______________.Vida liquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

BIRMAN, J. Dor e Sofrimento num Mundo sem Mediação. In BIRMAN, J. (org.). Cultura. Petrópolis: Editora Vozes, 2003.

______________. Mal-estar na atualidade: A psicanálise e as novas formas de subjetividade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.

CHEMAMA, R. Dicionário de Psicanálise Larousse, 4ª. edição, Porto Alegre: Editora Artes Médicas 2001.

HINSHELWOOD, R. D. Dicionário do Pensamento Kleiniano, 2ª. edição, Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1999.

LAPLANCHE, J. Vocabulário da psicanálise/ Laplanche e Pontalis; sob a direção de Daniel Lagache; tradução Pedro Tamen – 4ª Ed.- São Paulo: Martins Fontes, 2001.

MOROZ, M.; RUBANO, D. e equipe; “Subjetividade: a interpretação do behaviorismo radical”, Psic. da Ed., São Paulo, 20, 1º sem. de 2005, pp. 119-135. Disponível em: http://scielo.bvs-psi.org.br/pdf/psie/v20/v20a07.pdf.

RESENDE, A. C. A.; “Subjetividade e cultura: a contribuição da psicanálise ao debate”, UFG/UCG, anita.resende@pesquisador.cnpq.br GT: Psicologia da Educação / no. 20.

ROUDINESCO, E., PLON, M. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

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Marina S. R. Almeida

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4 respostas

  1. Usei esse texto como referência para um artigo do opinião como trabalho de uma matéria na minha faculdade, desde já gostaria de agradecer por publicar um texto tão bem escrito e tão coeso com o assunto, de forma a me fazer enxergar toda a situação da sociedade pós-moderna com seus olhos de profissional. Estou salvando e lendo algumas publicações suas e tenho gostado muito de tudo, faço parte da comunidade LGBTQI+ e a forma de tratar certos assuntos referentes à essa comunidade me deixa muito feliz.

    1. Bom dia!
      Muito Obrigada, pelos seus cometários!
      Att.
      Marina S. R. Almeida
      Consultora Ed. Inclusiva, Psicóloga Clínica e Escolar
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    1. Bom dia! Lúcia
      Muito obrigada pelos gentis comentários.
      Um abraço carinhoso e inclusivo.
      Att.
      Marina S. R. Almeida
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