Há alguns dias bateu em minha porta, um novo cliente, para minha surpresa chamava-se COVID19.
Sendo bem sincera, me assustei com a vinda deste novo cliente, e me pareceu muito assustador. Sua aparência era redondinha, um tamanho minúsculo, praticamente invisível a olhos nus, meio vermelhinho de raiva e portava várias coroas que lembrava um rei. Tinha uma carinha de poucos amigos.
Em minha contratransferência, me senti um tanto submissa, inclinada a servi-lo oferecendo minha total vulnerabilidade. Estava impactada pelo susto. Minhas angústias primitivas se revelavam, como um ser humano indefeso a beira da impotência do não saber e tomada pelo medo!
Aos poucos fui me acalmando e resolvi iniciar uma conversa amigável. Pedi para que COVID19, pudesse sentar-se e ficasse confortável na poltrona.
Pensei que seria interessante fazer uma entrevista de anamnese, percorrendo seu nascimento, história de vida, propósito… enfim, neste momento me instigou verdadeiramente o meu desejo de conhecê-lo um pouco melhor.
COVID19, se surpreendeu por tratá-lo tão bem, sua carinha tão ameaçadora pareceu meio congelada por alguns instantes, visto que eu também o havia assustado por resolver conhecê-lo melhor do que o banir, e em seguida eu mesma sair em retirada.
Disse que seria melhor eu usar máscara e passar álcool gel em minhas mãos, assim poderíamos manter nossas individualidades respeitadas. Não pareceu muito contente com esta minha decisão, mas também não se opôs. Ambos nos sentamos acomodados em poltronas separadas, mantendo uma distância razoavelmente segura. Resolvi abrir as janelas, visto que seria bem-vindo uma circulação de ar para nos refrescar.
Me dei conta neste momento que estava face to face, com COVID19!
Convidei o inesperado paciente COVID19, a fazer sua narrativa por associação livre, que pudesse falar o que lhe viesse a sua cabeça. De maneira muito tranquila, revelava um brilho em seus olhinhos. Começou relatando sua longa viagem vindo do oriente, passando por diversos países europeus, depois África e então resolveu dar um pulinho nas Américas. Com muita onipotência e sorriso triunfal, contava que ninguém o alcançava, que foi deixando em todo mundo uma marca indelével do sofrimento e da morte.
Não parecia em seu relato ter culpa alguma por seus atos considerados terroríficos, transparecia apenas uma aparente satisfação tirânica, fazendo jus a sua coroinha de rei empoçado num trono.
Contou que andava em bandos, que havia muitos como ele, invisíveis por aí, saltando de um ser humano a outro. Alguns já tinham rumo certo, estavam mais interessados em ir para Austrália, Oceania e alguns mais ousados queriam conhecer o Ártico e Antártica.
Transferêncialmente, COVID19 projetava em mim suas emoções, me fazia sentir um frio na espinha, uma indignação da frieza contida em sua narrativa prepotente, uma tristeza na alma me invadia e um grande pesar em meu coração. Me lembrei rapidamente das minhas leituras realizadas sobre sociopatas e dos filmes que assistia no canal do ID – Investigação Discovery. Tremi de medo, ele mais parecia um caso de um exponencial serial killer crônico, e pior, com um grupo organizado!
Me arrisquei a perguntar. Afinal de contas, o que está turminha de COVID19 deseja de nós seres humanos?
COVID19 respondeu, talvez a coisa mais importante que as pessoas devam perceber sobre nós como pandemias, seja que a disseminação da epidemia em qualquer país ponha em perigo toda a espécie humana. Este é nosso objetivo, vocês perceberem sua vulnerabilidade, somos imbatíveis se vocês continuarem sozinhos, num mundo predatório e egoísta. Nós andamos em bando, somos unidos, colaborativos e aprendemos juntos rapidamente.
Outro ponto, nós como vírus evoluímos, nos adaptamos. Eu como coronavírus tenho minha origem em animais, como os morcegos. Quando pulamos para os seres humanos, inicialmente estamos mal adaptados aos hospedeiros humaninhos. Enquanto nos replicamos também podemos fazer ocasionalmente mutações. A maioria das mutações é inofensiva, é uma forma de vocês humanos não nos encontrar, rss.
Mas, de vez em quando, uma mutação nos torna mais infeccioso ou mais resistente ao sistema imunológico humano – e essa cepa mutante do vírus se espalha rapidamente na população humana. Como uma única pessoa pode hospedar trilhões de partículas de vírus que sofrem replicação constante, toda pessoa infectada oferece ao vírus trilhões de novas oportunidades para se tornar mais adaptado aos seres humanos. Cada transportador humano é como uma máquina de multiplicar, assim nos espalharmos rapidamente.
Perguntei então, tudo isso está ligado a globalização?
COVID19, respondeu. Não, as epidemias mataram milhões de pessoas muito antes da era atual da globalização. No entanto, a incidência e o impacto das epidemias diminuíram drasticamente. Apesar de surtos horrendos, como meus amiguinhos AIDS e Ebola, no século XXI as epidemias matam uma proporção muito menor de humanos do que em qualquer outro período anterior à Idade da Pedra. Isso ocorre porque a melhor defesa que vocês seres humanos têm contra os patógenos não é o isolamento – é a informação. E vamos combinar, que vocês não levam a sério informações com evidências científicas, adoram fake news, soluções mágicas, rss.
Então eu disse, COVID19, mas a humanidade tem vencido a guerra contra epidemias porque, na corrida armamentista entre patógenos e médicos, os patógenos dependem de mutações cegas, enquanto os médicos dependem da análise científica da informação. Acrescento que, os cientistas entenderam as causas das epidemias, ficou muito mais fácil combatê-las. Vacinas, antibióticos, higiene aprimorada e uma infra-estrutura médica muito melhor permitiram que a humanidade ganhasse vantagem sobre seus amiguinhos predadores invisíveis. Em 1967, a varíola ainda infectou 15 milhões de pessoas e matou 2 milhões delas. Mas, na década seguinte, uma campanha global de vacinação contra a varíola foi tão bem-sucedida que, em 1979, a Organização Mundial da Saúde declarou que a humanidade havia vencido e que a varíola havia sido completamente erradicada. Em 2019, nenhuma pessoa foi infectada ou morta por varíola.
COVID19 respondeu, sim mais ainda para minha turminha vocês não descobriram quase nada. Isso é um fato! Considere que vocês não podem se proteger fechando permanentemente suas fronteiras e mantendo-se em isolamento social por muito tempo. Seres humanos começam a entrar em sofrimento. Chama-se a este efeito psicológico de estresse pós traumático, além de tudo provoca muitas angústias, desencadeando em vocês raiva, depressão, ansiedade, síndrome do pânico, comportamentos obsessivos e em alguns casos ideação suicida. Lembre-se de que as epidemias se espalharam rapidamente, mesmo na Idade Média, muito antes da era da globalização. Portanto, mesmo que vocês reduzam suas conexões globais ao nível da Inglaterra em 1348 – isso ainda não seria suficiente. Vocês teriam que voltar a Idade da Pedra.
Olhei para o relógio na parede e disse, está terminando nosso horário…
Refleti muito enquanto você falava, então é obvio que fazer barreiras em cidades, construir muros, restringir viagens, reduzir o comércio, isolamento social, serão apenas saídas emergenciais e temporárias. No entanto, embora a quarentena de curto prazo seja essencial para interromper as epidemias, o isolacionismo de longo prazo levará ao colapso econômico e profundos traumas psicológicos em grande escala nos seres humanos. Parece que o verdadeiro antídoto para a pandemia não é a segregação, mas a cooperação coletiva.
Puxa, COVID19, você me ajudou muito a pensar vários pontos importantes sobre a vida, seres humanos e nosso planeta. Mas, infelizmente nosso horário da sessão terminou por hoje.
Você gostaria de continuar estes encontros desta conversa psicanalítica?
COVID19 respondeu. Sim, achei bem interessante, afinal me senti muito acolhido, foi um bom diálogo. Vamos marcar nossa próxima sessão, talvez eu me deite naquele divã!
Nos despedimos com um até breve, a uma distância razoável.
Ficou em mim um desejo de investigação ainda maior, contudo ainda estava aturdida pelas revelações de COVID19. Foi uma conversa mobilizadora dos afetos, um vírus com um potencial tão letal, cruel e ao mesmo tempo parecia tão sábio, um paradoxo!
Autora: Marina S. R. Almeida
01/05/2020
Consultora Ed. Inclusiva, Psicóloga Clínica e Escolar
Neuropsicóloga, Psicopedagoga e Pedagoga Especialista
Licenciada no E-Psi pelo Conselho Federal de Psicologia para atendimento de Psicoterapia on-line
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