Coisa Amar
Contar-te longamente as perigosas
coisas do mar. Contar-te o amor ardente
e as ilhas que só há no verbo amar.
Contar-te longamente, longamente.
Amor ardente. Amor ardente. E mar.
Contar-te longamente as misteriosas
maravilhas do verbo navegar.
E mar. Amar: as coisas perigosas.
Contar-te longamente que já foi
num tempo doce coisa amar. E mar.
Contar-te longamente como dói
desembarcar nas ilhas misteriosas.
Contar-te o mar ardente e o verbo amar.
E longamente as coisas perigosas.
(Manuel Alegre)
O mundo insular é um símbolo polissêmico, com vários conteúdos e significados que variam com a História e as sociedades. Mundo em miniatura, centro espiritual primordial, imagem completa e perfeita do cosmos, inferno e paraíso, liberdade e prisão, refúgio e útero materno, eis alguns significados que o homem atribui a esse microcosmo.
Ainda no campo da Psicanálise e da Psicologia Analítica Junguiana, o símbolo ou a imagem marítima-insular podem ser interpretados como pertencentes ao inconsciente coletivo da Humanidade e, como imagens profundas, pouco variariam de sociedade para sociedade. Já para a maioria das vertentes da Antropologia, o símbolo marítimo e insular é produzido socialmente, a partir de práticas sociais e simbólicas.
Em algumas correntes da Psicologia as representações e imagens que o homem tem do mar e das ilhas, parecem remontar ao inconsciente coletivo da humanidade, sob a forma de imagens primordiais ou arquetípicas, complexos referentes à relação filho/mãe, ao mito do paraíso perdido e constantemente procurado pelo ser humano.
O mar é então relacionado com a figura materna, o líquido amniótico protetor que envolve o feto e a ilha é o símbolo da própria figura materna, o útero protetor. Inúmeros mitos e lendas atestam a presença do mar e da ilha na constituição do mundo e na criação da cultura. Essas imagens e representações estão muito presentes na literatura e na arte ainda hoje.
Para Jung, o mar é o símbolo das águas maternais, fecundas e criadoras, símbolo do inconsciente. Nos sonhos ou nas fantasias, o mar ou toda extensão vasta de água designa o inconsciente. O aspecto maternal da água coincide com a natureza do inconsciente no sentido em que este último (sobretudo no homem) pode ser visto como a mãe, a matriz do inconsciente.
Assim, quando se interpreta no plano do sujeito, o inconsciente tem, como a água, um significado maternal. (Jung,1993).
Ferenczi, discípulo de Freud, em Thalassa: Psicanálise das Origens da Vida Sexual, analisa as relações entre os símbolos do mar e os do corpo materno: Determinados detalhes da simbologia do sonho e das neuroses sugerem uma analogia simbólica profunda entre o corpo materno, de um lado, e o mar ou a terra alimentadora, de outro. É possível que, por esta analogia se expresse o fato de que o homem como indivíduo é, antes de seu nascimento, um endoparasita aquático…
(…). Tomado neste sentido, o simbolismo marinho da mãe, tem um caráter mais aquático, mais primitivo, enquanto o simbolismo da terra, reproduzido nesse período mais tardio, em que o peixe, jogado sobre a terra firme, depois da seca dos mares, contentava-se com a água que filtrava do interior da terra. (Ferenczi,1967).
Ferenczi relaciona também os mitos que dizem respeito ao surgimento da terra, a partir do oceano, com o nascimento: “Numerosas lendas primitivas, que se relacionam com a criação do mundo, onde vemos a terra surgir do oceano, contém elementos que permitem interpretar esta cosmogonia como representação simbólica do nascimento.”.
Além disso, esse autor chama de regressão thalassal o desejo de retorno ao ventre materno, entendido como a volta ao ambiente marinho e acolhedor de onde o ser humano se teria originado.
Jung critica Freud pelo que considera ênfase indevida na libido como fator preponderante do inconsciente. O inconsciente se manifesta por meio de imagens arquetípicas que revelam a existência de arquétipos. Estes últimos são definidos como arquétipos em si, não perceptíveis, e existem apenas potencialmente, ao passo que a imagem arquetípica é perceptível e atualizada. Os arquétipos são dificilmente definíveis e foram traduzidos em diversos conceitos por Jung, como imagens primitivas e originárias, motivos oriundos da mitologia, das lendas e dos contos, capazes de expressar os comportamentos humanos. (Jacobi, 1995).
Dos símbolos antigos da água, como fonte de fecundação da terra e de seus habitantes, ainda segundo Chevalier et Gheerbrant (1992) pode-se passar aos símbolos analíticos da água como fonte de fecundação da alma: a ribeira, o rio, o mar representam o curso da existência humana e as flutuações dos desejos e dos sentimentos.
O mar, água em movimento é o lugar das transformações e do renascimento, simbolizando, também, um estado transitório, ambivalente, de onde surgem os monstros, e nesse sentido é a imagem do subconsciente, fonte de correntes que podem ser mortais ou vivificadoras.
O Livro dos Mortos dos egípcios e as lendas das sociedades secretas chinesas falam de uma navegação que conduzia à Cidade da Paz ou ao Mercado da Grande Paz, Shankaracharya, e, também, de uma travessia do mar das paixões até chegar à Tranquilidade.
O Buda, que faz passar à outra margem, atravessar o oceano da existência é chamado de o Grande Navegante.
Assim, o peixe está associado ao nascimento e à restauração cíclica, sendo o símbolo da vida e da fecundidade.
Na China, é símbolo da sorte e no Egito, consumido pelo povo, era proibido a todo indivíduo sacralizado, como o rei ou sacerdote.
No Cristianismo, (ichtus) é símbolo de Cristo. Entre os celtas, o salmão era símbolo da sabedoria, da alimentação espiritual e para os orientais a carpa era peixe de bom augúrio, mensageira dos imortais, significando para os japoneses a perseverança.
Fonte:
CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos · Livraria José Olympio Editora (Rio de Janeiro), 1995.
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Marina S. R. Almeida
Consultora Ed. Inclusiva, Psicóloga Clínica e Escolar
Neuropsicóloga, Psicopedagoga e Pedagoga Especialista
Licenciada no E-Psi pelo Conselho Federal de Psicologia para atendimento de Psicoterapia on-line
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