MULHERES AUTISTAS E A EXPERIÊNCIA COM A MATERNIDADE

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Segundo a pesquisa “A comparative study of autistic and non autistic women’s experience of motherhood” (2020), o autismo é uma condição do neurodesenvolvimento ao longo da vida, mas há pesquisas limitadas examinando a maternidade em mães autistas.

A pesquisa investigou a experiência das mães autistas do período perinatal e da maternidade. Isso inclui gravidez, parto, pós-parto, autopercepção dos pontos fortes e fracos da maternidade, comunicação com profissionais em relação ao filho, dificuldades de saúde mental e experiência social da maternidade; também inclui divulgar o diagnóstico de autismo em contextos de saúde.

O autismo é uma condição neurodesenvolvimento, diagnosticada por dificuldades na comunicação social, ao lado de uma forte preferência por repetição, dificuldades de adaptação à mudança não esperada e perfil de sensibilidade sensorial atípica.

A prevalência de autismo é estimada em 1-2% da população, diagnosticada com mais frequência em homens do que em mulheres, com uma razão sexual de 3:1 (masculino:feminino).

Pouca atenção tem sido dada à maternidade em mulheres adultas autistas, apesar do autismo ser uma condição vitalícia.

Atualmente, não há estimativas do número de adultos autistas que são pais, mas entre 17 e 23% dos pais de crianças autistas têm o Fenótipo mais Amplo do Autismo (FAA).

Portanto, é possível que várias mães de crianças autistas possam ter autismo não diagnosticado e, como as mulheres são, em média, diagnosticadas mais tarde na vida do que os homens, algumas podem não notar seu diagnóstico até que já sejam pais. Embora exista alguma literatura sobre como a presença de uma criança autista impacta a dinâmica familiar e os pais, a experiência das próprias mães autistas é relativamente inexplorada.

Os indicadores encontrados foram:

ESTIGMA SOCIAL

  • As experiências de mães com deficiência intelectual e condições psiquiátricas, muitas vezes comórbidas com o autismo, podem informar nossa compreensão das possíveis experiências das mães autistas. Embora nem todas as mulheres autistas tenham um diagnóstico adicional de uma condição psiquiátrica ou deficiência intelectual, as mães com esses diagnósticos podem enfrentar desafios semelhantes às mães autistas, pois essas condições são todas de natureza do neurodesenvolvimento, psicológica ou comportamental.
  • Para mulheres com deficiência intelectual e condições psiquiátricas, a maternidade é muitas vezes uma experiência desejável, mas para mães com condição psiquiátrica, o estigma associado com sua condição tem um grande impacto na forma como elas se veem como mães.
  • Um estudo mostrou que elas sentiam como se o conceito de ‘mãe ideal’ fosse incompatível com as conotações negativas de sua condição psiquiátrica.
  • O estigma também apresenta uma grande barreira para acessar serviços ou buscar apoio de amigos e familiares. Para as mães que temem o julgamento de sua capacidade maternal e temem potencialmente perder seus filhos para os serviços de proteção infantil, o medo da estigmatização pode impedi-las de acessar os serviços necessários para seus filhos. Isso pode ser parte de um sentimento mais amplo de serem estigmatizadas. Tais medos poderiam ser bem fundamentados, pois os pais com deficiência intelectual muitas vezes enfrentam mais escrutínio dos serviços sociais e correm maior risco de terem seus direitos parentais rescindidos.

DIFICULDADES COM A SAÚDE MENTAL

  • As pessoas autistas estão em maior risco de dificuldades de saúde mental, em comparação com indivíduos neurotípicos. Não está claro como isso pode afetar as mães autistas. Sentimentos de isolamento, medo do julgamento e o estigma do autismo podem ter um efeito adverso na saúde mental, especialmente nos estágios iniciais da maternidade, onde as mulheres ainda estão se adaptando à sua nova identidade.
  • A história da depressão é um dos maiores fatores de risco para a depressão pós-parto. Dada a comorbidade da depressão e do autismo, esperamos que as mães autistas estejam em maior risco de depressão pós-parto do que as mães neurotípicas, o que poderia atrasá-las ainda mais.
  • Isso pode significar que as mulheres autistas precisam de apoio personalizado adicional para atender às suas necessidades.
  • A conscientização das taxas de depressão em mães autistas poderia ajudar os serviços de apoio a anteciparem suas necessidades prováveis, levando à identificação precoce de sintomas depressivos.

DIFICULDADES COM TRANSTORNOS SENSORIAIS

  • Dificuldades com o processamento de experiências sensoriais, por exemplo, problemas com o aleitamento materno, e comunicação com profissionais, como médicos, parteiras e enfermeiros podem ser componentes únicos da experiência de maternidade para mulheres autistas.
  • O autismo está associado à hipersensibilidade sensorial, muitas vezes levando à sobrecarga sensorial.
  • Algumas mulheres autistas relataram que isso tornou a sensação física da amamentação desagradável, mas outras mães autistas foram capazes de amamentar com sucesso, pois achavam que era o melhor para seu filho.
  • A capacidade de superar dificuldades para agir no melhor interesse da criança pode desempenhar um papel vital na experiência da maternidade para mulheres autistas.

MATERNIDADE EM MULHERES AUTISTAS

  • A maternidade em mulheres autistas é uma área negligenciada na pesquisa do autismo.
  • Na pesquisa os achados demonstram que há aspectos da maternidade que as mães autistas acham mais difícil do que as mães não autistas (que não têm diagnóstico formal de autismo ou autoidentificação como autistas, mas que têm um filho autista).
  • Criticamente, estes incluíram dificuldades na comunicação com os profissionais, percepções negativas de sua maternidade, como medo de julgamentos das habilidades maternais por terceiros, e altas taxas de depressão pós-parto.

DIFICULDADES EM COMUNICAR A CONDIÇÃO DE MULHER AUTISTA

  • Mulheres autistas, podem decidir não divulgar ser autista.
  • Também identificaram na pesquisa que há vários aspectos positivos da maternidade para mulheres autistas e que, para a esmagadora maioria das mães autistas, a maternidade foi, no geral, uma experiência gratificante.
  • Vale ressaltar que houve na pesquisa diferenças estatisticamente significativas entre os grupos em relação a algumas de suas características demográficas, como idade, estado civil e educacional e idade média no primeiro nascimento. As pesquisas futuras devem visar combinar grupos sobre essas variáveis capazes de examinar se esses influenciam os resultados.

INTERAÇÃO SOCIAL E COMUNICAÇÃO COM OS PROFISSIONAIS DE SÁUDE

  • Mães autistas relataram mais dificuldades em interagir com profissionais, como médicos ou assistentes sociais ao longo de sua experiência de maternidade. Mães neurotípicas sentiram que tiveram o processo de nascimento do bebê explicado a elas de uma forma que pudessem entender.
  • Nossos achados destacam como as mães autistas podem ser mais suscetíveis a dificuldades de comunicação e interação com profissionais durante a gravidez e não receberem informações de suporte sobre o processo do parto.

MÃES AUTISTAS NÃO RELATAM SOBRE SUA CONDIÇÃO

  • Mães autistas são mais relutantes para revelar que tinham autismo.
  • De fato, mais de 80% das mães autistas temiam que a divulgação do autismo afetasse a atitude de um profissional em relação a elas e quase 40% das mães com diagnóstico relataram que raramente ou nunca divulgaram.
  • Para as mães que suspeitavam que eram autistas, mas não tinham diagnóstico, isso dobra para 75%.
  • Pesquisas anteriores mostraram como o estigma de alguém que tem um diagnóstico de incapacidade ou condição de saúde mental pode afetar a percepção da maternidade.
  • Mães autistas em nesta amostra relataram sentir que a maternidade era uma experiência mais isolada do que as mães neurotípicas e sentiam como se estivessem sendo julgadas por suas habilidades maternais.
  • As mães autistas eram mais propensas a sentir que não estavam lidando como “boas mães” e sentiam que eram incapazes de recorrer aos outros profissionais ou pessoas para oferecer suportes.
  • Mães autistas podem temer uma percepção negativa dos profissionais, como médicos ou assistentes sociais, levando a um medo ou relutância em divulgar seu autismo.
  • O medo do julgamento dos outros pode estar ligado as dificuldades de socialização, onde mais de 40% das mães autistas achavam que falar com profissionais gerava muita ansiedade e não conseguiam pensar claramente, ou experimentavam dificuldades de comunicação.
  • Além disso, o estigma percebido e o medo de serem vistas como uma “uma mãe inadequada” podem dissuadir as mães autistas de pedir apoio tão necessário. Se as mães autistas são menos propensas a ter apoio de outros profissionais para conselhos e apoio emocional, isso poderá criar um ciclo vicioso pelo qual as dificuldades maternais podem se tornar sobrecarregadas, levando, por exemplo, a sentimentos de isolamento.
  • Foi constatado a necessidade de promover a compreensão e a conscientização dos profissionais sobre o Transtorno do Espectro Autista em mulheres, espera-se que isso diminua o estigma associado ao autismo, o que pode estar impedindo as mães autistas de divulgar seu diagnóstico.
  • Esperamos também que isso ajude a garantir que as mães autistas sejam capazes de receber o apoio necessário e defender efetivamente seus filhos.

AMAMENTAÇÃO E TRANSTORNOS SENSORIAIS

  • As mães autistas têm destacado desafios que podem estar associados ao processamento sensorial. No entanto, apesar desses problemas sensoriais, a maioria das mães nesta pesquisa foi capaz de amamentar seu filho com sucesso, com mais de 80% das mães autistas tentando amamentar seus dois primeiros filhos.
  • Pode ser que as mães autistas tenham sido capazes de substituir quaisquer sensações táteis não agradáveis associadas à amamentação, a fim de fazer o que acreditavam ser melhor para seu filho, e essa hipótese precisa ser formalmente testada no futuro.
  • Também não houve diferenças significativas na porção mães autistas e neurotípicas que tiveram dificuldades para amamentar seu primeiro filho, embora este número dobre em mães autistas que relataram ter mais dificuldades com seu segundo filho.
  • É possível que o desconforto tátil da amamentação seja demais para as mulheres autistas, que pelo segundo filho eles têm muito mais dificuldade em suportar.
  • No entanto, também é motivo capaz de argumentar que, dada a idade média acumulada das crianças relatadas em nosso estudo foi de 12 anos, as mães autistas em nossa amostra tiveram uma melhor lembrança de sua experiência amamentando seu segundo filho em comparação com o primeiro. Se isso for verdade, apoiaria achados anteriores de que sensações táteis, como o aleitamento materno, são desagradáveis para as mães autistas, dado o maior processamento de informações sensoriais no autismo.
  • Outras pesquisas relataram que as mães autistas têm um alto interesse nos benefícios do aleitamento materno e dar amor durante o aleitamento materno.

FUNÇÕES EXECUTIVAS E MATERNIDADE

  • Também perguntamos às mães autistas sobre suas experiências ao longo da vida da maternidade, que vai além de pesquisas anteriores, focando principalmente nos estágios iniciais da maternidade.
  • Consistentes com os achados das dificuldades de função executiva no autismo, que incluem desempenhos mais baixos em medidas de planejamento e flexibilidade mental do que os adultos neurotípicos, as mães autistas relataram maior dificuldade com múltiplas tarefas, organização e responsabilidades domésticas.
  • Dificuldades com comunicação social e planejamento, organização, multitarefa e uma forte necessidade de rotina podem gerar muito estresse quando as mães autistas estão cuidando de sua família.
  • Em uma pergunta de acompanhamento sobre as necessidades do apoio do marido, 62% das mães autistas sentiram que precisavam de apoio extra por causa do autismo.
  • Embora a função executiva tenha sido extensivamente pesquisada, há necessidade de intervenções voltadas para mitigar as dificuldades de função executiva na vida adulta da pessoa autista, para as responsabilidades específicas da maternidade.
  • Em termos de resultados positivos, 96% das mães autistas foram capazes de priorizar as necessidades de seus filhos acima das suas e buscar maneiras pelas quais podem aumentar a autoconfiança de seus filhos.
  • Achados como esses destacam como, apesar dos desafios com a gestão da vida doméstica cotidiana, as mães autistas podem superá-las para cuidar de seus filhos. Isso foi apoiado ainda por 86% das mães autistas que relataram ter achado a maternidade gratificante.
  • Semelhante aos resultados sobre o aleitamento materno, as mães autistas foram capazes de superar desafios únicos ao seu autismo, como funções executivas e questões sensoriais, para agir no melhor interesse de seu filho.

Além do autismo, mais de 70% das mães, com e sem diagnóstico formal de autismo, relataram ter uma condição psiquiátrica adicional, em comparação com apenas 41% da nossa amostra neurotípica. Mães autistas também relataram ser mais propensas a sofrer de depressão pré-natal e pós-parto, com quase 60% relatando ter sofrido depressão pós-parto. As mulheres autistas eram quatro vezes mais propensas a experimentar depressão e têm maiores taxas de comorbidade com outras condições, como transtornos de ansiedade e outros transtornos psiquiátricos.

Pessoas autistas apontaram a urgência de melhorias nas intervenções em saúde mental como prioridade máxima para a busca do autismo, nossos achados destacam como mais pesquisas são necessárias para entender as implicações do pós-parto depressão para mulheres autistas.

Embora as altas taxas de condições de saúde mental em nossa amostra possam refletir um problema mais amplo entre no grupo de mulheres autistas, a depressão pós-parto está ligada exclusivamente à maternidade. A depressão pós-parto pode ter sérias consequências para mãe e filho, mas existem tratamentos efetivos para depressão pós-parto e ferramentas de triagem para identificar aqueles que beneficiariam.

No entanto, as mães autistas podem suportar um maior escrutínio dos serviços sociais e dos médicos, são mais propensas a ter seus direitos maternais suspensos resultando na perda de seu filho e temem que suas habilidades maternais estejam constantemente sendo criticadas e julgadas; o desafio é ainda maior reconhecer a depressão pós-parto e, por sua vez, procurar tratamento e não parecer autista ao olhar dos profissionais de saúde, mas que teve um filho autista, o que nos permitiu encontrar um potencial estresse adicional de ter um filho autista e ser uma mulher autista.

Conclusões

Há necessidade de maior conscientização e acolhimento das experiências de maternidade para mulheres autistas e da necessidade de serviços de apoio mais personalizados.

Muitas questões que identificamos podem ser atribuídas ao estigma percebido do autismo, falta de consciência e apoio não atendido.

Dificuldades de comunicação com profissionais, sentimentos de isolamento e julgamento percebido podem criar mais barreiras para que as mães autistas solicitem o suporte de que precisam.

As mães autistas também apresentaram maior índice de dificuldades de saúde mental, com uma taxa muito alta (58%) de mães autistas relatando ter sofrido de depressão pós-parto.

No entanto, este estudo também conta com relatos de que as mães autistas são altamente resilientes e capazes de superar suas dificuldades para colocar as necessidades de seus filhos em primeiro lugar.

Novas pesquisas devem explorar a experiência da maternidade para mulheres autistas e garantir que esses achados sejam usados para melhorar significativamente o cotidiano de mães e pais autistas.

Fonte:

Pohl et al. Molecular Autism (2020): https://doi.org/10.1186/s13229-019-0304-2

A Psicóloga Marina S. R. Almeida é especialista em Transtorno do Espectro Autista. Realizo psicoterapia online ou presencial para pessoas neurotípicas e neurodiversas.

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Marina S. R. Almeida – CRP 06/41029

Consultora Ed. Inclusiva, Psicóloga Clínica e Escolar

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