Empatia conceito de extrema importância para a clínica psicanalítica, seja para adotá-lo, seja para descartá-lo, a empatia, ainda como um tema controvertido, sempre esteve presente no debate psicanalítico.
Penso que a empatia – guardados os devidos riscos da possibilidade de instituir o outro, por projeção, introjeção ou ainda por processos de fusão afetiva – é, como queria Ferenczi, um guia válido, mas não infalível para nos aproximarmos do que o analisando sente, para compreendermos e compartilharmos o sofrimento alheio. E, como considerou Etchegoyen, um fator necessário do trabalho analítico, já que sem a empatia nunca poderíamos entrar no compasso do analisando, embora não a considere suficiente para a tarefa analítica, uma vez que a empatia depende de muitos fatores.
Freud, deu ao vocábulo “empatia” um uso psicanalítico diferente de seu emprego em outras áreas. Sabe-se, segundo o trabalho de Pigman, Freud e a história da empatia (PIGMAN, 1995 apud BOLOGNINI, 2008), da importância dada por Freud aos aspectos intrapsíquicos do psicanalista. Um exemplo é a atenção flutuante, e ele mesmo tinha boas capacidades empáticas.
Outro fator de conhecimento dos psicanalistas é que a tradução da língua alemã para a inglesa trouxe algumas dificuldades para o entendimento de certos conceitos, uma delas em relação ao vocábulo empatia, poucas vezes traduzido como tal. Segundo o editor inglês (2006), a dificuldade é terminológica e atravessa a totalidade da obra “Os chistes e sua relação com o inconsciente” (1905).
Para Bolognini (2008), nessa mesma obra, Freud usa a palavra “empatia” para descrever o processo de colocar-se no lugar do outro, consciente ou inconscientemente, e continuará a usá-la com esse significado pelo resto de sua vida.
Embora Freud não tenha escrito artigo específico sobre o tema da empatia, gradativamente foi inserido com suas possibilidades e dificuldades na clínica psicanalítica. Dessa forma, Freud traz à luz o termo “empatia” como um estado do psicanalista na clínica, a ser pensado, debatido e aprimorado a exemplo do conceito da contratransferência.
Em “Sobre o início do tratamento”, Freud ([1913] 2006) alerta os psicanalistas sobre a empatia como condição essencial para a análise, o que ocorre quando se instaura a transferência positiva. Recomenda que se comece a interpretar quando houver uma relação suficientemente sólida entre paciente e analista. Esclarece que o analista pode colocar a perder esse primeiro sucesso se, desde o início, não adotar uma compreensão empática. Pelas recomendações que se seguem, Freud fala do estado empático do analista como condição necessária para estimular no paciente a aliança terapêutica.
Em Psicologia de grupo e a análise do ego (1921), no capítulo VII – Identificação, Freud faz uma aproximação entre identificação e empatia. Em nota de rodapé, Freud diz que um caminho por via da imitação conduz da identificação à empatia, isto é, […] à compreensão do mecanismo pelo qual ficamos capacitados para assumir qualquer atitude em relação à outra vida mental (FREUD, [1921] 2006, p. 120).
Ele começa dizendo:
A identificação é conhecida pela psicanálise como a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa (FREUD, [1921] 2006, p. 115).
Afirma que a identificação desempenha um papel na história primitiva do complexo de Édipo. Mais à frente, Freud ([1921] 2006, p. 116) diz:
Podemos apenas ver que a identificação se esforça por moldar o próprio ego de uma pessoa segundo o aspecto daquele que foi tomado como modelo.
Freud distingue três modalidades ou fontes de identificação.
A primeira é a identificação original e define-se como o primeiro laço emocional com outra pessoa. Marca a identificação pré-edípica de relação canibalesca com o objeto mãe – constitui a identificação primária.
A segunda, como diz Freud, de maneira regressiva torna-se substituta para uma vinculação de objeto libidinal por meio de introjeção do objeto no ego.
A terceira modalidade pode surgir de qualquer nova percepção de uma qualidade comum partilhada com outra pessoa que não seja o objeto da pulsão sexual. É o caso da identificação com o líder de um grupo.
A esse respeito, Freud afirma que o laço mútuo entre os membros de um grupo é de natureza de uma identificação baseada em uma importante qualidade emocional comum que a psicologia chama de “empatia”.
Para Freud, a empatia é um processo que permite entender o eu estranho de outras pessoas. O ego estranho de outras pessoas não significa ‘ego de outras pessoas estranho a nós’, mas ‘as partes internas de outras pessoas que são estrangeiras, estranhas e ignoradas por seu próprio ego’.
Dessa forma, a empatia permitiria aos analistas compreender a parte das pessoas que é desconhecida delas mesmas (PIGMAN, 1995 apud BOLOGNINI, 2008).
Se, por um lado, implicitamente, Freud dá muita importância à empatia, por outro, demonstra preocupação.
Segundo Bolognini (2008), na carta de Freud a Ferenczi, por ocasião da apresentação do trabalho A elasticidade da técnica psicanalítica, de Ferenczi ([1928] 2011), Freud confirma que a empatia diz respeito a quase todas as coisas que um analista “deveria fazer no sentido positivo”.
Contudo, preocupa-se que um analista possa, em nome de agir com empatia, sugerido por Ferenczi, justificar arbitrariedades, excessos de subjetividade e assim por diante.
Na abordagem que Ferenczi faz da empatia – o “sentir com”-, ele enfatiza no tratamento o fator subjetivo, que chama de intuição, mas coloca como fator decisivo a apreciação consciente da situação dinâmica. Seu procedimento é colocar-se no diapasão do paciente, sentir com ele todos os seus caprichos, todos os seus humores, mas ater-se com firmeza, até o fim, à posição ditada pela experiência analítica. É evidente que em um analista bem analisado os processos de “sentir com” e de avaliação exigidos por Ferenczi não se desenrolarão no inconsciente, mas no nível pré-consciente. O outro ponto enfatizado é que uma análise de caráter suficientemente profundo deve desembaraçar-se de toda espécie de superego.
É notório, na literatura psicanalítica, que a empatia segue os mesmos percalços da contratransferência, descoberta por Freud em 1912. A contratransferência surgiu como obstáculo no processo psicanalítico, assim permanecendo até 1950, sem que algo de substancialmente novo fosse encontrado. Isso começa a mudar a partir dos trabalhos de Paula Heimann (1950) e Heinrich Racker (1953) quando, por um novo paradigma, colocam-na também na condição de um instrumento da psicanálise para a clínica.
A contratransferência reconhecida e elaborada constitui caminho indispensável para sintonizarmos com o clima do mundo interno do paciente, para compartilhar a qualidade e a intensidade de suas relações com os objetos internos e para experimentar estados profundos e complexos do self ou empobrecimentos projetivos e estreitamentos defensivos. Para o autor, o compartilhar é um precursor da empatia, que ocorre como resultado integrado, harmônico e amadurecido de um longo processo de compreensão, com a escuta e organização de sensações e pensamentos.
Bolognesi (2008) nos alerta para o risco de uma utilização inadequada de alguns conceitos, como considerar a empatia como um ato voluntário, programado e intencional, o que seria mais próximo do “empatismo”. Enfatiza que a empatia é uma receptividade articulada e elaborada que permite integrar uma escuta benéfica da contratransferência, que protege o analista de seus próprios aspectos narcísicos e onipotentes e que lhe permite um bom contato com seu mundo interno.
Referências
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COELHO JUNIOR, N. E. Ferenczi e a experiência da Eifuhlung. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, Rio de Janeiro, n. 1 v. 7, jul./jan. 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-14982004000100005&lng=en&nrm=iso&tlng=pt. Acesso em: 15 set. 2017. [ Links ]
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