Em termos de diagnóstico descritivo, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (American Psychiatric Association, 1995) aponta nove critérios para o “Transtorno de Personalidade Borderline”, sendo cinco suficientes para sua identificação.
São eles: um padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos; esforços frenéticos para evitar um abandono real ou imaginado; perturbação da identidade; impulsividade; ameaças suicidas ou comportamento automutilante; instabilidade afetiva; sentimentos crônicos de vazio; raiva e dificuldade para controlar a raiva; e ideação paranóide transitória.
De acordo com a vertente psicanalítica, o adolescente vivencia situações complexas: desidentificações, neoidentificações, difusões identitárias, oscilações entre a busca da dependência e a necessidade de estabelecer sua individuação, confrontação de gerações, dentre outras. Revisitar os ideais narcísicos parentais, diferenciar-se e subjetivar-se se afiguram como desafios significativos deste processo (Calligaris, 2000; Jeammet & Corcos, 2005; Kancyper, 1999).
A compreensão dos processos característicos desse período pode subsidiar tanto as intervenções no campo da clínica psicológica, como ações de prevenção e promoção da saúde mental dessa população.
Além disso, considera-se que o período da adolescência, por si só, já se configura como uma situação-limite, tendo em vista todos os enfrentamentos necessários e todas as reorganizações subjetivas daí decorrentes. Por caracterizar-se como um período emocionalmente turbulento, marcado por ressignificações e movimentações pulsionais intensas, entende-se que das derivações dessas turbulências é que serão definidas as características mais fixas e estáveis da personalidade (Baird, Veague, & Rabbitt, 2005).
Jeammet e Corcos (2005), nesse sentido, referem que quanto mais a dependência é evitada e intolerável, social e subjetivamente, mais ela terá que ser expressa em sua forma mais “crua”, mediante os sintomas dos adolescentes de hoje. Afirmam, ainda, que o terreno psíquico (com suas
representações simbólicas e afetivas) perde para as dimensões do campo sensorial e perceptivo nas manifestações da adolescência. Assim, as relações de dependência associam-se com a predominância das “patologias do agir”, tais como as toxicomanias, o alcoolismo, as condutas autodestrutivas, o uso abusivo de medicamentos, os transtornos alimentares (anorexia e bulimia) e as demais manifestações borderline.
A capacidade reflexiva e a possibilidade de simbolização aparecem como essenciais no processo adolescente. Dar sentido às vivências e nomear as turbulências e mudanças experimentadas permite uma reestruturação psíquica satisfatória.
Em se tratando dos adolescentes com organização borderline, toda esta dinâmica revela-se ainda mais intensificada. Adquire relevância, portanto, a dimensão da história de vida destes adolescentes, geralmente marcadas por funcionamentos familiares bastante comprometidos, denotando um contexto instável, caótico, inseguro. Assim, experiências traumáticas, negligências, abusos, violências das mais diversas ordens têm sido apontadas como precursores do desenvolvimento de uma organização de personalidade borderline na adolescência (Bradley & Westen, 2005; Carvalho, 2004; Figueiredo, 2003; Reich & Zanarini, 2001; Russ, Heim, & Westen, 2003; Villa & Cardoso, 2004).
Considerando que as questões intrapsíquicas e intersubjetivas, fundamentais para a constituição de uma personalidade saudável, a literatura também discute a influência da cultura contemporânea neste processo e suas interferências nas vivências da adolescência. O tempo contemporâneo é marcado pelo instantâneo, pela superficialidade e pelo imediatismo que (des)estrutura as relações (Cardoso, 2005; Figueiredo,
2003; Justo, 2005).
Soma-se a isso a questão de que, culturalmente, ser adolescente é um ideal e a mídia contribui significativamente para a representação deste ideal: ser jovem, transgredir, não ter limites, estar “fora da lei” (Calligaris, 2000; Savietto, 2007). Assim, as barreiras intergeracionais cada vez diminuem mais, o que deixa o adolescente em uma situação de desamparo, sem uma figura de adulto para se identificar (Jeammet & Corcos, 2005). Kehl (2003), discutindo o fenômeno de “teenagização da cultura ocidental” e das mudanças nas configurações familiares, refere que o abandono das crianças e adolescentes de hoje ocorre quando os adultos responsáveis não sustentam sua diferença diante deles, não lhes conferindo um lugar. Tal situação resulta na fragilidade da transmissão de parâmetros éticos para as novas gerações.
Com efeito, o “fenômeno borderline” articula-se ao contexto da atualidade, tendo em vista este mal-estar contemporâneo, marcado por uma cultura cada vez mais competitiva, individualista e narcísica. Como conseqüência, aparece o “desenraizamento” do ser humano e o aumento de seu desamparo.
O adolescente borderline, assim, busca um lugar de acolhimento cada vez mais difícil de encontrar (Cardoso, 2005; Figueiredo, 2003; Hegenberg, 2000). Todos estes fatores, somados à proliferação da violência nos mais
diversos âmbitos (urbano, familiar, institucional), à crise de valores éticos e às novas configurações familiares não podem ser desprezados quanto às suas implicações em termos de sofrimento psíquico e repercussões nos vínculos afetivos durante a adolescência (Birman, 2005; Levisky, 2002; Roudinesco, 2003; Savietto, 2007; Savietto & Cardoso, 2006).
Os estudos têm avaliado o papel da negligência e da superproteção na infância dos pacientes borderline, além das representações parentais destes pacientes (Hallie & Paris, 1991; Levy, 2005; Nickel e cols., 2002). Destacam se, nesse sentido, as percepções contraditórias, fragmentadas e conflitivas em relação aos pais. As mães geralmente são vistas como pouco carinhosas e pouco cuidadoras, altamente controladoras, com altos níveis de encorajamento de autonomia e alta permissividade, o que acaba refletindo em uma representação de falta de controle parental. Assim, famílias não abastecedoras, instáveis, imprevisíveis e com história de abuso intrafamiliar foram associadas ao desenvolvimento da organização borderline em adolescentes. Aponta-se, ainda, que as falhas ocorridas durante a constituição psíquica destes adolescentes associam-se às suas interações precoces, podendo estar relacionadas às falhas na constituição psíquica da própria mãe. O fracasso da constelação narcisista da mãe impediria que ela pudesse exercer a função de objeto materno narcísico, não conseguindo dar sentindo às experiências do bebê. Assim, as vivências não conseguiriam se transformar em experiências, e o sujeito se expressaria a partir de atuações e descargas, em detrimento das representações e simbolizações. (Lyons-Ruth, Yellin, Melnick, & Atwood, 2005; Reich & Zanarini, 2001; Westen e cols., 1990; Zanarini e cols., 1997).
TRATAMENTO DA SÍNDROME BORDERLINE EM ADOLESCENTES E ADULTOS
A psicoterapia de base psicanalítica é uma das possibilidades recomendáveis para tratamento de pacientes com diagnóstico de transtorno de personalidade borderline, além do acompanhamento psiquiátrico necessário. São intervenções concomitantes acompanhamento psiquiátrico+medicação+psicoterapia, pelo fato do paciente apresentar várias comorbidades conjuntas, compondo um conjunto de sintomas.
No caso de pacientes adolescentes com diagnóstico borderline é de suma importância que os pais busquem tratamento psicoterápico com outro profissional psicólogo.
ASPECTOS DIAGNÓSTICOS E METAPSICOLÓGICOS
O Transtorno de Personalidade Borderline a presença de pelo menos cinco dos seguintes ítens:
1)padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos, caracterizado por uma alternância entre extremos de idealização e desvalorização;
2)impulsividade em áreas potencialmente prejudiciais para o indivíduo: gastos, sexo, drogas, furtos, dirigir de forma imprudente, crises de apetite incontrolável;
3)instabilidade afetiva: mudanças acentuadas do humor normal para a depressão, irritabilidade ou ansiedade;
4)cólera inapropriada, intensa na falta de controle;
5)comportamento suicida ou auto mutilante repetido, como o cutting;
6)acentuada e persistente perturbação na identidade, seja na autoimagem, na orientação sexual, nos objetivos a longo prazo ou na escolha profissional, tipos de amizade, valores;
7)sentimentos de tédio e vazio;
8)esforços frenéticos para evitar abandono real ou imaginário.
A maioria dos autores, entretanto, particularmente os de orientação psicanalítica, considera que a essência da Síndrome borderline nos adultos em geral, e nos adolescentes em particular, não são os sintomas apresentados, mas sim, no dizer de Masterson (Outeiral, op.cit.) “uma forma especial e estável de uma estrutura patológica do ego, isto é, uma detenção no desenvolvimento “.
Assim:
“(…) ansiedade, sexualidade perverso-polimorfa, personalidades pré-psicóticas: esquizóides ou hipomaníacas, impulsividade neurótica e adições; problemas de caráter: narcisista, infantil, anti-social e muitos problemas polissintomáticos, tais como fobias, obsessões, conversões, dissociação, hipocondria e paranoia. Todos estes estavam presentes ocasionalmente, em combinações variadas, sem diferenciar a síndrome “( id., ib. ).
É necessário que possamos compreender que, apesar de haver graves danos na função do Ego, a adaptação do paciente às exigências ambientais poderá ser razoavelmente adequada, e as relações superficiais com os objetos poderão permanecer preservadas. Encontraremos, entretanto, episódios psicóticos (ou perversos) passageiros quando o paciente se encontrar sob tensão persistente e/ou intensa, de causa interna e/ou externa.
Existe um espectro amplo, que podemos situar como se fosse a área de um triângulo, onde um vértice corresponde ao funcionamento neurótico, outro ao funcionamento psicótico e outro ao funcionamento perverso.
O adolescente borderline, de uma forma vicariante, se aproxima ora de um vértice, ora de outro, mostrando-se sob variados elementos sintomatológicos, os mais diversos, que deixarão confuso o observador que tentar fazer o diagnóstico sob o ponto de vista fenomenológico. Dessa forma, é necessário lançarmos mão daquela a quem S. Freud, em Análise terminável e interminável ( 1937 ) chamou de “ a feiticeira “. Ele escreveu: “sem a feiticeira metapsicologia não poderíamos dar um passo a mais.”
Anna Freud, em Infância normal e patológica ( 1966 ), se refere ao estado borderline, no íten 4 de sua classificação, ao final do Perfil Metapsicológico, como “ (…) regressão dos impulsos (…) mais regressões simultâneas do ego e do superego que conduzem a transtornos borderline “.
Para esta autora, “ a condição borderline implica uma regressão libidinal e tópica“ e ela coloca, também, estes pacientes como sofrendo da desestruturação de um aparelho psíquico que havia alcançado um determinado grau de organização e que, ao não conseguir resolver os conflitos com os impulsos por meio de uma neurose, toma o destino de uma alteração geral das funções do ego.
Seguindo esta linha de pensamento, o chamado “Grupo de Guam “, de Chicago, considera que:
“A base dinâmica do quadro clínico é uma detenção no desenvolvimento que resulta em um narcisismo excessivo, que vai mais além do encontrado nos casos normais ou neuróticos; deficiências nas funções do ego, tais como percepção e execução e, por uma fixação pré-genital. Os defeitos do ego privam os pacientes das técnicas de controle que necessitam para manejar seu mundo interno e externo. As fantasias narcísicas – magicamente onipotentes – construídas por estes pacientes para lutar contra estes problemas e proteger-se das dolorosas “marcas mnêmicas “de uma infância traumática são insuficientes para fazer frente às realidades do mundo adulto. Apresar de sua falta de valor adaptativo, estas fantasias são apreciadas pelos pacientes, que, inclusive, vivem suas vidas em torno delas, talvez em um esforço de controle tardio “ ( Masterson, 1972 ).
Otto Kernberg considera que estes pacientes ocupam um amplo espectro e estabelece que a base psicodinâmica da Síndrome Borderline compreende:
- uma falta constitucional de autonomia primária;
- baixa tolerância à ansiedade;
- excessivo desenvolvimento dos impulsos agressivos;
- vivência de uma realidade que produz excesso de frustração.
Para o diagnóstico destes quadros, Otto Kernberg estabelece critérios principais e secundários:
Critérios principais:
- difusão de identidade
- predomínio de defesas baseadas na dissociação;
- conservação da prova de realidade.
Critérios secundários:
- manifestações não específicas de debilidade de ego (falta de controle dos impulsos, falta de tolerância à ansiedade e falta de capacidade sublimatória);
- graves perturbações nas relações de objeto;
- sintomas neuróticos múltiplos e crônicos (como fobias, obsessões e ansiedade);
- falta de integração do superego apresentando tendências antisociais;
- predomínio do processo primário que se evidencia nos testes psicológicos projetivos;
- condensação de conflitos edípicos e pré-edípicos.
Os três critérios estruturais de Otto Kernberg são comentados por Ester Litvin (1992), em seu excelente trabalho O adolescente borderline, e os apresento porque irão nos auxiliar neste trajeto.
- Difusão de identidade, ou seja, a falta de integração dos conceitos de self das representações do self ou imagens de si mesmo e do objeto. Para Kernberg, escreve Litvin, este é o aspecto principal do diagnóstico da organização borderline de personalidade. Na difusão de identidade, a concepção da pessoa existe somente em função de sua conduta imediata, o paciente não percebe os aspectos permanentes da personalidade (da identidade ) do outro; existe uma capacidade de integrar os aspectos positivos e negativos do outro que, entretanto, parece uma caricatura com simplificações (bom e mau) unidimensionais, como se a pessoa fosse distinta nas diferentes situações, sem continuidade e contraditória. A difusão de identidade é observada na clínica pedindo-se ao paciente que se descreva, que se caracterize como pessoa e que descreva também, rapidamente, a personalidade de pessoas importantes de sua vida. Kernberg escreve que, se encontramos uma identidade normal, ou seja, se o paciente tem uma noção de continuidade longitudinal e transversal (eu e o outro no tempo e nas diferentes situações) trata-se de uma estrutura neurótica. Se, ao contrário, verifica-se a difusão de identidade, trata-se de uma estrutura borderline ou psicótica.
- O segundo critério estrutural é o predomínio de defesas primitivas centradas na dissociação. Nas neuroses encontramos o predomínio da repressão com consequente racionalização, intelectualização, formação reativa e projeção. Nas estruturas borderline, encontramos o predomínio da dissociação primitiva, ou seja, a clivagem, onde o indivíduo experimenta uma divisão do self; o conflito entre o amor e o ódio se resolve evitando a ambivalência, dividindo a experiência interna entre uma experiência total de ódio e outra total de amor. A identificação projetiva, a onipotência, o controle onipotente, a desvalorização, a negação e a idealização primitiva são defesas secundárias à clivagem. Neste último mecanismo de defesa, atribui-se ao outro algo intolerável em si, mas que se continua experimentando; não há repressão e, portanto, há necessidade de controlar o afeto projetado, com consequente distorção na relação interpessoal. Ao contrário, na projeção decorrente da repressão atribui-se ao outro algo reprimido em si, ou seja, a repressão é eficaz.
- terceiro critério é a preservação da prova de realidade, isto é, a capacidade para diferenciar o self do não-self, o self do mundo externo, os estímulos de origem intrapsíquica dos estímulos externos. Leva-se em conta também a capacidade de empatia com os aspectos sociais vigentes nas relações interpessoais. Este critério é importante para permitir o diagnóstico diferencial entre estrutura borderline e psicótica. Otto Kernberg, citado ainda por E. Litvin (Litvin, 1992), descreve três passos sucessivos para avaliação da prova de realidade:
a)a presença de verdadeiras alucinações e/ou delírios que indicam perda do juízo de realidade;
b)empatia com as observações do entrevistador sobre aspectos bizarros ou estranhos da conduta, do afeto ou do conteúdo ideativo no aqui-agora da entrevista. Se o paciente se dá conta do bizarro em sua conduta, afeto ou pensamento, assinalado pelo entrevistador, então o juízo de realidade estará mantido;
c)avaliação das consequências da interpretação das defesas primitivas na relação paciente-terapeuta. A integração transitória, ou seja, a melhora do juízo de realidade após tais interpretações indica boa prova de realidade. Se, ao contrário, ocorre desintegração quando se interpretam as defesas primitivas, existe perda do juízo de realidade e estamos diante de uma estrutura psicótica.
Para Otto Kernberg ( Giovacchini, 1989; Masterson. 1972 ), então, os critérios estruturais 1 e 2 distinguem as estruturas borderline das neuroses sintomáticas e da patologia caracterológica não-limite, na qual se evidencia uma identidade egóica sólida e o predomínio de mecanismos de defesa centrados na repressão.
O terceiro critério diferencia estrutura, como vimos anteriormente, auxilia no diagnóstico diferencial entre borderline e psicose. Este mesmo autor considera que uma das tarefas essenciais para o desenvolvimento da integração do ego é a síntese das introjeções e identificações, primitivas e posteriores, em uma em uma identidade egóica estável: tarefa que, como sabemos, é uma das características do processo adolescente.
Em relação ao aspecto etiológico da Síndrome Borderline, é interessante utilizar a abordagem feita por J. Masterson em seu livro Treatment of the Borderline Adolescent, no qual ele escreve que para entender estes pacientes necessitamos conhecer a teoria do papel da relação simbiótica no crescimento e no desenvolvimento normal, e, fundamentalmente, as consequências para o desenvolvimento do que acontece quando a separação do companheiro simbiótico é agravada por uma depressão por abandono.
Para J. Masterson, as contribuições de M. Mahler e os desenvolvimentos posteriores feitos por autores como P. Giovacchini e Otto Kernberg, entre outros, ajudam a compreender a Síndrome Borderline na adolescência.
M. Mahler considera (Outeiral, 1993) que há uma relação simbiótica entre a criança pequena e sua mãe, em que esta atua como um ego auxiliar, executando muitas das funções que somente mais tarde o ego irá realizar.
“… por exemplo, a mãe põe limites, tanto para estímulos internos como externos, e ajuda a criança a perceber a realidade, tolerar a frustração e controlar os impulsos “.
J. Masterson descreve que, em torno dos dezoito meses, sob ação da maturação biológica predeterminada do ego, a criança começa ativamente a se separar da mãe (devido ao desenvolvimento físico que lhe permite se afastar ativamente da mãe ) e a se individualizar ( trabalho emocional que deriva do rompimento desta relação ). Estas aquisições, físicas e emocionais, trazem um maior desenvolvimento e fortalecimento do ego da criança. Sobre este momento evolutivo Rinsley (Outeiral, 1993) escreve:
“… a separação do objeto materno primário põe em movimento o mecanismo de reintrojeção, com uma retenção do objeto total; como resultado surge uma difusão instintiva, produzindo a possibilidade da criação de uma energia neutralizada que será utilizada para as funções defensivas, representativas e sintéticas do ego. A reintrojeção, associada com o luto pelo objeto separado, e a operação de um mecanismo obsessivo, fazem retornar uma multiplicidade de partes más de objetos, que haviam sido expulsas do território do ego através do mecanismo de projeção. Durante a etapa do desenvolvimento do ego, as representações do self e dos objetos se diferenciam progressivamente à medida que o aparelho perceptivo da criança vai maturando. Estas representações, segundo Kernberg, foram sendo progressivamente assimiladas a cargas afetivas instintivas de valência positiva (libidinal) ou negativa (agressiva), convertendo-se então em estados positivos ou negativos do ego. A assimilação de representações do self dos objetos se dá como resultado da função sintética do ego; este obtém sua energia das catexias libidinais desinstintivadas, resultando uma defusão instintiva conseqüente à reintrojeção do objeto total. Desta forma o território do ego se expande e seus conteúdos se incrementam.”
O estímulo materno adequado e as novas funções do ego impulsionam a criança para a autonomia através dos processos de separação-individuação ( nota 1 ). J. Masterson ao comentar a detenção do desenvolvimento na Síndrome Borderline como uma falha no processo de separação-individuação, considera a mãe de um paciente com esta síndrome como sofrendo ela também do mesmo problema. Suas necessidades patológicas levam-na a não apoiar e estimular a separação e a individuação do filho, apegando-se a ele para impedir a separação e desestimulando os intentos que ele fizer para a individuação. Assim, entre um ano e meio e três anos, surge na criança um conflito com a mãe que lhe determina o surgimento de sentimentos de vazio e de abandono.
Ao contrário da criança autista ou psicótica, a criança borderline evolui através da etapa simbiótica, mas a separação e a individuação de sua mãe são apenas parciais, ocasionando sentimentos que ela deve reprimir (medo, caos, vazio, abandono, etc ).
A repressão, como comentam P. Giovacchini ( 1989 ) e C. Paz ( Outeiral, 1991 ), não é suficiente e/ou eficaz e necessita ser auxiliada por outros mecanismos apresentados por J. Masterson como acting out, formação reativa, perda de afeto, mecanismos obsessivo-compulsivos, negação, projeção e outros. Poderíamos dizer que ela lança mão de mecanismos de defesa primitivos, próprios da posição esquizo-paranóide, descrita por Melanie Klein, tais como a cisão (splitting), identificação projetiva e introjetiva, defesas maníacas (triunfo, controle e desprezo). Há, assim, momentos de prevalência de relações com objetos parciais, pelo predomínio da cisão no ego e no objeto e ansiedade paranóide. Estas defesas primitivas detém o desenvolvimento e a maturação das funções do ego e o paciente borderline evolui da etapa simbiótica, mas não avança adequadamente através da separação-individuação para a autonomia. Ocorre uma fixação em nível oral.
Rinsley apresenta algumas das características desta estrutura egóica.
- fracasso da repressão normal;
- persistência de mecanismos de defesa primitivos
- falta de confiança básica
- persistência da dissociação de objeto, com a deterioração conseqüente das relações objetais;
- regressão e negação;
- deterioração da função sintética do ego;
- fracasso da sublimação dos impulsos instintivos primitivos;
- sérias dificuldades com a identidade pré-edípica e sexual.
J. Masterson ( 1972 ) complementa:
“Estou postulando que a causa da síndrome borderline ( na adolescência ) é a depressão por abandono, causada pela retirada dos estímulos maternos ante as tentativas do paciente de se separar e se individualizar “.
E mais adiante ele continua explicitando suas idéias:
“… outra possibilidade que deve ser considerada é que o paciente tem um potencial constitucional inadequado para obter sua autonomia. Até o momento é impossível afirmar qual ou que combinação destes fatores é mais importante na causa do problema “.
Desta forma, para este autor, as defesas da criança a habilitam para funcionar até a pré-puberdade, que ele situa entre 10 e 12 anos. Neste momento ocorre um segundo e intenso desenvolvimento na maturação do ego, o que representa uma segunda do processo de separação-individuação, como que uma recapitulação da primeira fase, descrita, como sabemos, por M. Mahler, ocorrida entre 1 e 3 anos e apresentada antes em seus aspectos normais e patológicos.
Peter Blos também considera que a adolescência representa um segundo momento do processo de separação-individuação. Ele escreve:
“O que na infância significa sair da membrana simbiótica para converter-se em um ser individual que caminha por si, na adolescência implica desprender-se dos laços infantis para passar a integrar a sociedade global.”
Autores como Arminda Aberastury, Mauricio Knobel e Eduardo Kalina (Outeiral, 1993) comentam o período inicial da adolescência como um momento de reedição da situação edípica, com a peculiaridade de que agora o incesto e o parricídio são factíveis, assim como ocorre também a eclosão de elementos perversos polimorfos e uma maior porosidade consciente-inconsciente.
Na verdade, estes autores retomam o que S. Freud havia desenvolvido no Caso Dora e nos Três ensaios sobre sexualidade. Nos pacientes a que estamos nos referindo estes aspectos evolutivos, aos quais podemos agregar o luto pela endogamia tão crucial para eles, determina a impossibilidade de uma progressão evolutiva o que causa uma desestruturação psíquica com o surgimento da Síndrome Borderline.
Em um trabalho sobre Psicoterapia Intensiva do Adolescente com uma Síndrome Borderline, J. Masterson faz uma interessante descrição psicodinâmica do quadro clínico destes pacientes, referindo que esta síndrome se assemelha a um iceberg no sentido de que apenas a parte mais superficial pode ser detectada clinicamente sobre a linha de água e que o resto permanece oculto sob a superfície. Ele comenta o que considera “as cinco características desta síndrome “.
- A presença de acting out, que varia de intensidade, incluindo desde leves aborrecimentos, inquietudes, dificuldades escolares e outros, até formas mais graves como o uso de drogas, promiscuidade sexual, furtos, conduta auto e heteroagressiva, etc.;
- Experiências reais de separação que são habitualmente negadas pelos pais, que não têm consciência do profundo significado da experiência de separação para estes pacientes. Por vezes são situações óbvias, como morte, divórcio, migração, mas as mais sutis não são menos importantes: como uma mudança no foco de interesse do companheiro simbiótico, por exemplo, quando a mãe deste paciente tem uma doença física ou um romance e o adolescente passa, ainda que momentaneamente, a um papel secundário;
- A história passada revelará dados fundamentais nestes casos, mostrando uma estrutura de caráter com predomínio de fixação na fase oral. O terapeuta deverá estar “avisado“ de que a obtenção de dados evolutivos, como já referi antes, não será fácil;
- Os pais, habitualmente, também padecem da Síndrome Borderline, em graus variados, sofrendo também eles de uma falha parental (ambiental) tanto como seus próprios filhos. Eles percebem seus filhos como se fossem seus pais, amigos ou como objetos transicionais (no sentido do pensamento de D. Winnicott e como desenvolvem P. Giovacchini [ 1989 ] e L. Lobel [ Davis& Raffe ] ). J. Masterson observou que:
“…os pais são frequentemente homens passivos e inadequados, dependentes de suas mulheres, mas mantendo com elas uma distância muito grande. Não executam seu papel paterno (…) as mães são mulheres ávidas de afeto, agressivas, dominantes, exigentes e controladoras, que necessitam e mantêm vigorosamente o vínculo simbiótico com seu filho. São incapazes de gratificar as necessidades de dependência ou de por limites adequados à conduta e, inconscientemente, provocam o acting out. Exercem uma disciplina contraditória, sendo ora permissivas e ora punitivas “. (Masterson, 1972).
5. O modelo de comunicação familiar parece negar os pedidos de ajuda que o adolescente expressa não através de palavras, mas de seus atos. Os pais respondem a estes pedidos reiterados de ajuda os desconhecendo ou rechaçando, o que cria uma espiral crescente de acting out cada vez mais dramática. A busca de ajuda de um profissional poucas vezes parte dos próprios pais e sim de uma figura externa, como um amigo, um professor ou mesmo do Juizado de Menores ou da polícia. Estes grupos familiares têm como modelo comunicacional predominantemente atos e não palavras, e é desta forma que o adolescente comunica seu desprezo, seu vazio e seu sentimento de abandono.
A CONTRIBUIÇÃO DE OTTO KERNBERG
Os elementos gerais propostos por Otto Kernberg em seu trabalho Psicoterapia psicanalítica com os adolescentes borderline ( Outeiral, 1993 ) compreendem:
- a elaboração sistemática da transferência negativa manifesta e latente, sem procurar a completa reconstrução genética de suas motivações, seguida do desvio da transferência negativa manifesta para fora da interação terapêutica, mediante seu exame sistemático nas relações do paciente com os demais;
- a necessidade de ressaltar e interpretar a utilização de defesas primitivas: cisão, idealização primitiva, identificação projetiva, etc. Assim, o terapeuta procurará ajudar o paciente a integrar seus objetos internos, permitindo a construção de um objeto total;
- o setting deverá se estruturar de tal maneira que o acting out do paciente seja controlado. Isto se obtém colocando limites no início do tratamento. O paciente é comunicado de que não será permitido nenhum tipo de agressão física ao terapeuta ou aos objetos do consultório, levantando-se inclusive a necessidade de hospitalização;
- como o objetivo básico é a integração dos estados egóicos dissociados e o método escolhido é a interpretação sistemática das defesas primitivas que mantêm a cisão, o terapeuta deverá fazer “uma abordagem seletiva de aspectos da transferência e da vida do paciente, nos quais se evidenciam suas defesas patológicas … “.
- A transferência positiva somente será interpretada quando a vinculada com defesas primitivas como a idealização;
- O autor sugere também “ a estimulação de modalidades de expressão mais adequadas à realidade , para os conflitos sexuais que, devido à condensação patológica da agressão pré-genital com as tendências genitais, dificultam a adaptação do paciente; dito de outra maneira: procurar-se-á “ libertar “ a capacidade de desenvolvimento genital mais maduro das intrincações com a agressão pré-genital “.
Otto Kernberg enfatiza também e desenvolve aspectos relacionados ao estabelecimento do setting e a fase inicial do tratamento, assim como as questões relacionadas com os fenômenos transferenciais e contratransferências. No trabalho citado, Psicoterapia Psicanalítica com os Adolescentes Borderline, (Outeiral, op. Cit. ), o autor desenvolve suas idéias sobre as estratégias terapêuticas com esta faixa etária. Para ele é paradoxal que, quanto mais perturbado for o adolescente tardio, tanto mais o tratamento deve assemelhar-se ao do paciente adulto. Para os menos graves, o tratamento deve enfocar inicialmente as tarefas desenvolvimentais da adolescência.
Otto Kernberg (Kernberg, 1990) considera que existe uma clara evidência, a partir das pesquisas e do contexto clínico, de que os adolescentes borderline vêm de famílias severamente patológicas (Goldstein e Jones, 1977; Shapiro, Zinnes, Shapiro e Berkovitz, 1975). Ele esclarece que existe sempre a questão da dificuldade de se saber até que ponto o adolescente borderline simplesmente reflete a grave patologia familiar ou um problema estrutural interno. Otto Kernberg escreve que “ … acho que sempre que um estudo cuidadoso do adolescente demonstra a existência da Síndrome de Difusão da Identidade e uma predominância de operações primitivas de defesa, devemos admitir que, a despeito de a família ter contribuido para a doença dele no passado, o paciente tem uma patologia borderline genuina estruturada a exigir um intenso tratamento individual “.
Ao comentar a questão específica do atendimento familiar ele considera que “ … com o propósito de conduzir a psicoterapia psicanalítica, conforme definida, considero crucial, entretanto, que o psicoterapeuta tenha um relacionamento exclusivo com o adolescente e que a terapia familiar, caso for indicada, seja feita por outro terapeuta. Se o paciente tiver que ser envolvido nessa terapia, o terapeuta de família deve obter a autorização do adolescente e de sua família para transmitir suas observações ao psicoterapeuta do paciente. Assim adota-se o procedimento de formar uma equipe profissional similar àquela por mim recomendada para os pacientes borderline cujo grave potencial para acting out não pode ser, de outra maneira, controlado.” (Outeiral, 1993 )
Bibliografia:
Outeiral, J. org. (1993). O adolescente borderline. Porto Alegre. Artes Médicas. 1993
Outeiral, J. ( 1995 ). Interpretação e transicionalidade. In: Outeiral, J. & Thomaz, Th. Psicanálise brasileira. Porto Alegre. Artes Médicas. 1995
Outeiral, J. ( 1995 ). Objetos transicionais. Rabiscos metapsicológicos e clínicos. In: Mello, J. & Melgaço, A Winnicott 24 anos depois.. Rio de Janeiro. Revinter. 1995
Winnicott, D. ( 1971 ). O brincar e a realidade. Rio de Janeeiro. Imago. 1975
Winnicott, D. Psychoanalytical explorations. London, Karnac Books. 1989
Marina S. R. Almeida
Consultora Ed. Inclusiva, Psicóloga Clínica e Escolar
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Respostas de 2
Eu tenho 13 anos e tenho todos sintomas, e eu queria saber se eu realmente tenho borderline
Bom dia, Myrian!
O diagnóstico de Transtorno de Personalidade Borderline é realizado por médico Psiquiatra, portanto você deverá procurar este especialista com seus pais porque você é menor de idade.
O diagnóstico só é fechado após os 17 anos. Com 13 anos outras possibilidades são consideradas, somente fazendo avaliação com psiquiatra e recomendo que procure ajuda com psicólogo para fazer psicoterapia.
Tem o Canal de Ajuda da Unicef – Pode Falar – para atendimento gratuito de jovens 13 a 24 anos.
http://www.podefalar.org.br
Att.
Marina S. R. Almeida
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