HERRAR É UMANO – PROF. JOSÉ PACHECO

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Prof. José Pacheco
Foi tal a insistência do meu neto, que não resisti a fazer-lhe a vontade. Aproveitei a interrupção da atividade lectiva da Páscoa, para o levar a conhecer uma escola. Em tempo de férias escolares, poupá-lo-ia à visão dantesca de um intervalo de aulas, onde o bullying já é uma fatalidade. Porém, as coisas não me correram de feição…
Primeira estação (ou não estivéssemos na semana santa…): um portão fechado, dois olhos inquisidores numa face carrancuda, e a interpelação feita numa voz ameaçadora:
– “Que deseja? Estamos fechados!”
Disse ao que ia, que era um avô, querendo satisfazer a curiosidade do meu neto, que queria ver uma escola por dentro.
– “Lamento, mas a escola está fechada. Está tudo de férias. Só cá estão os senhores doutores do conselho diretivo.”
– “Eu sei! – respondi – mas importa-se que dê uma voltinha pela escola? Não demoro!”
– “Só um momento, não saia daí, que eu vou ver o que se pode fazer” – respondeu o do bunker. O Marcos estremeceu e abraçou-se à minha perna: – “Ó avô, aquele senhor é polícia? Tenho medo, avô!”
O que eu temia aconteceu. A primeira impressão foi de medo. A frágil representação que o meu neto teria de escola em nada corresponderia ao que ele presenciou. E, mesmo para um adulto que pense, é assustadora a ideia de as escolas se manterem fiéis ao paradigma da escola-presídio, adaptado pelas suas congêneres do século XIX, que, até na arquitetura, sejam conformes ao modelo de escola-caserna, que inspirou os seus diabólicos criadores. Enquanto cogitava sobre o conceito muito em moda de “escola integrada na comunidade” (uma das muitas tretas com que são enfeitadas as teses), sossegava o meu neto, falando-lhe de escolas que não têm portões fechados, nem vigilantes, nem obrigam ao uso de cartões magnéticos, para acessar aos seus mistérios. Ficamos esperando do lado de fora, até que o portão se abriu e o vigilante me pediu o bilhete de identidade. Entregou-me um cartão para pôr ao peito. Uma funcionária aproximou-se e avisou:
– “A senhora doutora deu-me ordens para o acompanhar. Mas pede que seja breve a visita! Faz favor, por aqui…”
E lá fomos levados, corredor após corredor, pela enfadada funcionária, cujo passo estugado o Marcos não conseguiu acompanhar. No meu colo, espreitando salas todas iguais, mesas alinhadas em filas voltadas sempre para o mesmo lado, ciciou-me ao ouvido: – “Onde estão os meninos, avô? Onde estão os meninos?”
Ia responder que era tempo de férias, mas não concluí a frase. O Marcos sobressaltou-se com o estrépito da campainha ressoando medonha pelos corredores desertos. Não havia aula, nem alunos, mas a campainha soava rotineira e absurda, como o resto.
Em escassos minutos, estávamos de saída, cartão devolvido, portão fechado nas nossas costas. Menos tenso, o Marcos ligou a máquina de fazer perguntas. Pergunta de criança não é como pergunta de adulto. Responder a adulto é fácil, mas um avô está proibido de mentir. As perguntas surgiam em catadupa e eu ficava constrangido, sem saber que dizer. Até que ele afogou a curiosidade num gelado de chocolate. E, enquanto o Marcos se lambuzava, eu refletia sobre o drama dos diretores que (só por ingenuidade) creem ser possível dirigir uma escola a partir de um gabinete. Pensava em gestores escolares que tudo subvertem a uma lógica que esvazia as escolas de qualquer sentido. E que pensar dos professores que, passivamente, consentem que o absurdo se mantenha?
Conheço tantos educadores prenhes de sonho e bondade, gente que encontro, quando já penso não haver mais para encontrar, e que seriam bem capazes de inverter o destino da escola. Tanta bondade desperdiçada, tantos sonhos assassinados, que até dói!
Continuo sem entender por que razão muitas escolas erguem barricadas, quando as imperfeitas instituições que as inspiraram já denotam alguma abertura à sociedade. Vivemos ainda o tempo da proto-história da humanidade. Mas a demanda civilizacional já levou a que até mesmo nas prisões soprassem ventos de liberdade e que muitos quartéis já fossem transformados em pousadas para turistas. O que leva as escolas a fecharem-se na concha da auto-suficiência, a refugiar-se atrás de muros protegidos por guardas, como um condomínio fechado?
Temos escolas habitadas por excelentes profissionais. Porém, se alguns consentem que a degradação os degrade, outros desistem. Agito-os, desassossego-os, mas respondem:
– “Tens razão, é preciso mudar esta escola ensimesmada, que só produz insucesso, exclusão, violências… Mas eu tenho medo de errar.
A insegurança e o medo, sempre o medo! A idealização da profissão em contraste com a rudeza do seu exercício. Um exercício solitário. Uma solidão absurda. Mas o que quer que seja que um professor faça para afectar o status quo das escolas é positivo. Como diz o povo, em linguagem de gente, pior do que está não pode ficar. Portanto, faça-se! Erre-se! De preferência, aceitando os erros alheios como degrau para a transcendência.
O Rogers escreveu: “quanto mais um indivíduo é compreendido e aceite, maior tendência tem para abandonar as falsas defesas que empregou para enfrentar a vida, e para progredir numa via construtiva”. E um Marcos, que vive do outro lado do mar, perguntou-me: “como pode estar a Escola enraizada no mundo de hoje – único ponto de partida para a transformação – e, ao mesmo tempo, inaugurar os valores, as práticas e as relações que já inauguram o mundo que almejamos construir?”
A resposta é simples: errando. Errar, aceitar o erro (o nosso e o dos outros) é o caminho para uma possível redenção da Escola. Errar no duplo sentido da palavra: quer se trate de vaguear por caminhos incertos, quer signifique o desacertar, que fique a intenção e o reconhecimento de que “errare humanum est”.

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Marina S. R. Almeida

Consultora Ed. Inclusiva, Psicóloga Clínica e Escolar

Neuropsicóloga, Psicopedagoga e Pedagoga Especialista

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