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Prof. José Pacheco
1 – Por que a Escola da Ponte existe tal qual ela é? Não será por mero capricho. Foi sendo construída ao longo de quase trinta anos, sobre as ruínas de um modelo de escola tradicional, que somente engendrava (e ainda engendra.) insucesso, abandono, exclusão.
O que a distingue de muitas escolas é mais o fato de poucos vestígios da Escola dita tradicional nela poderem ser referenciados. Distingue-a a elevada qualidade das aprendizagens. Distingue-a, sobretudo a qualidade da relação entre as pessoas que nela habitam, e que pode ser partilhada por aqueles que a visitam. Existe para provar que uma escola pública para todos não é incompatível com a garantia da qualidade e da excelência acadêmica.
2 – Como se dá a organização do trabalho na Escola da Ponte? Qual o papel do aluno nesta organização? Na atual situação da Ponte (de “crise de crescimento”), não poderei falar de uma “autonomia total” no trabalho dos alunos. E, mesmo em tempo dito normal, a autonomia é sempre algo que se reaprende todos os dias. Os alunos elaboram os seus planos, não há um plano igual a outro, mas para aí chegar, as crianças e jovens fazem um longo caminho de múltiplas aprendizagens. Aprendem a ser autônomos, mas não a serem “umbiguistas”. Aprendem que a sua liberdade começa onde começa a liberdade do outro. E sabem distinguir liberdade de libertinagem. As nossas crianças não são educadas apenas para a autonomia, mas através dela, nas margens de uma liberdade matizada pela exigência da responsabilidade. Buscamos uma escola de cidadãos indispensável ao entendimento e à prática da democracia. Procuramos, no mais ínfimo pormenor da relação educativa, formar o cidadão sensível e fraterno. Para exercer a solidariedade é necessário compreendê-la, vivê-la em todo e qualquer momento. Na Ponte, cada criança age como participante de um projeto de preparação para a cidadania no exercício da cidadania. O aluno sente-se participante e, também por essa razão, as aprendizagens que realiza são significativas e integradoras.
3 – Como acontece, na Escola da Ponte, a relação entre o desenvolvimento de competências e a necessidade de se cumprir o programa determinado pelo currículo objetivo, baseado no currículo nacional? Para além de reproduzirem um modelo obsoleto e produzirem insucesso, muitas escolas descuram dimensões formativas essenciais, sob o pretexto de nem sequer “terem tempo para dar o programa oficial”. Sem nos abstrairmos dos objetivos de instrução, é necessário conferir atenção à formação pessoal e social dos alunos. A excelência acadêmica, que todas as escolas deverão visar, terá de ser concomitante com o contemplar da dimensão da educação dos afetos, da emoção, a dimensão estética.As aprendizagens vão a par. O domínio atitudinal não é independente do domínio cognitivo. Envolvidos numa estrutura que propicia uma aprendizagem ativa, os alunos da Ponte aprendem a ser pessoas e a verem os outros como pessoas, adquirem competências essenciais e apreendem todo o programa contido no currículo nacional. A descrição dos dispositivos que permitem esse duplo objetivo seria muito extensa. Melhor será fazer uma visita à escola e ouvir as explicações das crianças.
4 – Qual a função da tecnologia/computadores na escola? As tecnologias de informação e comunicação são mais um (importante) dispositivo pedagógico. Nos computadores, os alunos produzem texto, elaboram gráficos, desenham projetos. Na Internet, procuram e selecionam (criticamente) informação que, depois, tratam, reelaboram e comunicam aos outros.
5 – Mudar o foco para o desenvolvimento de competências e habilidades implica, além da mudança de postura da escola, um trabalho pedagógico integrado em que se definam as responsabilidades de cada professor nessa tarefa. Como isso foi “resolvido” na Escola da Ponte? Que tipo de atividades formativas foram/são realizadas com o professor? Quais são as competências imprescindíveis que um professor deve possuir para realizar seu trabalho na Escola da Ponte?No campo da formação (como em tudo.), estamos ainda a começar. Nos anos setenta, o círculo de estudo foi o alfobre da formação que viabilizou o exercício de uma praxeologia fundadora das primeiras mudanças. Nos anos oitenta, a necessidade de especialização sem riscos de disciplinarização fez rumar à Universidade. Mas a formação essencial é feita aprendendo com quem aprende. E há o ritual dos encontros semanais de professores e mensais com os pais dos nossos alunos. Os professores são trabalhadores da educação ao serviço de um projeto que uma comunidade adota. Partindo desta definição do conceito de professor, a sua cultura pessoal e profissional reformular-se-ia – e o seu estatuto social ficaria mais valorizado – se livremente aderisse ao “projeto do seu sonho” e responsavelmente assumisse o cumprimento dos objetivos desse projeto. A competência básica dos professores que contratamos (o contrato de autonomia permite que, ao contrário do que acontece nas restantes escolas da rede pública, a Ponte possa escolher os seus professores) será o ser pessoa. Onde não existir uma pessoa, não será possível colocar um profissional professor. Os professores da Ponte aprendem a potenciar a sua formação experiencial (quase sempre forjada no ensino dito tradicional) e a reelaborar a sua cultura pessoal e profissional. Aprendem a abandonar, sem inseguranças, o seu anterior refúgio de sala de aula, para passarem a partilhar espaços comuns, no exercício de uma solidariedade que substitui o tradicional umbiguismo docente.
6 – Como você definiria a gestão da Escola da Ponte? É marcada pela simplicidade dos processos e pela eficácia. Cumpre-se o primado da pedagogia sobre o da administração. Pôs-se fim à burocracia.
7 – Como as famílias dos alunos reagem com a metodologia adotada na escola? Os projetos são objetos frágeis, precários, sujeitos a contingências…Houve um tempo de criação de sustentabilidade do projeto, de os pais aprenderem e de nós aprendermos com eles, o tempo de as crianças se adaptarem a novos modos de aprender e de nós adaptarmos a escola a todos e a cada um. Depois, houve ainda o tempo de fundamentar. Trinta anos depois, veio o tempo de consolidar e recomeçar. Os pais são pessoas inteligentes e desejam o melhor para os seus filhos. Quando lhes é explicado o porquê da mudança, compreendem e aceitam a mudança. Quando os pais crescem com o projeto, defendem-no. E, quando muitos pais já são ex-alunos da Escola da Ponte, tudo fica mais simples. A Escola da Ponte é uma escola pública, mas a sua racionalidade e prática nada tem a ver com o modelo de escola pública instituído. Contrariamos a lei quando ela se opunha a que fizéssemos dos nossos alunos seres mais sábios, mais felizes e mais pessoas. Transgredimos fundamentando a transgressão. Foi suficiente.
8 – Para a Escola, o que significou o Contrato de Autonomia assinado com o Ministério da Educação no início deste ano? O primeiro “contrato de autonomia” alguma vez firmado entre uma escola pública e o Estado significa o reconhecimento da qualidade do projeto “Fazer a Ponte”, a “legalização” do projeto (quase tudo o que foi instituído na Ponte não tinha cobertura legal.), bem como novas responsabilidades. E talvez inaugure uma nova era, motivando outras escolas para a assunção de uma efetiva autonomia.
9 – Na sua opinião, que significado a Escola da Ponte tem para seus alunos, seus professores e a comunidade? Talvez o dar sentido às suas vidas, dando sentido à escola.
10 – E para você? Para um professor aposentado como eu significa continuar lá, enquanto mo consentirem e eu me considerar útil. Continuo dirigindo os meus passos para a Ponte, por solidariedade para com aqueles que dão continuidade ao projeto, e por considerar que tudo o que foi construído em quase trinta anos não foi mais que um andaime. É da natureza de qualquer projeto estar sempre em fase instituinte. E , na Educação, está sempre quase tudo por fazer.Entre em contato comigo e agende uma entrevista:

Marina S. R. Almeida

Consultora Ed. Inclusiva, Psicóloga Clínica e Escolar

Neuropsicóloga, Psicopedagoga e Pedagoga Especialista

CRP 41029-6

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