Neste artigo irei abordar a recente pesquisa de 2018, realizada na Suécia, sobre as consequências nas mulheres autistas e os desfechos da gravidez, que ainda foram pouco explorados. Estudos estes de importância crucial devido a vulnerabilidade da condição do autismo, às frequentes comorbidades e medicamentos nesse grupo de mulheres autistas.
Este estudo foi financiado por doações do Conselho Sueco de Pesquisa (2013 -2429), do Conselho Sueco de Pesquisa para Saúde e Bem-Estar no Trabalho (2015 – 01369) e por doações fornecidas pelo Conselho do Condado de Estocolmo (projeto ALF 20130156). As agências de financiamento não tiveram influência no desenho do estudo, na condução ou nos relatórios dos pesquisadores.
Os pesquisadores suecos, Helene EK Sundelin, Olof Stephansson, Christina M Hultman, e Jonas F Ludvigsson, realizaram uma pesquisa com o objetivo de estimar o risco de resultados adversos da gravidez em mulheres diagnosticadas com autismo. A pergunta que os pesquisadores investigaram: As mulheres autistas têm um risco aumentado de resultados adversos na gravidez?
Participaram da pesquisa, nascimentos únicos identificados no Registro Médico Sueco (MRS) de nascimentos, de 2006 a 2014. Um total de 2.198 nascimentos de mulheres diagnosticadas com autismo que foram registrados no Registro Nacional de Pacientes da Suécia (NRP) e foram comparados a 877.742 nascimentos únicos de mulheres sem diagnóstico de autismo.
O Autismo, é considerado um transtorno do neurodesenvolvimento com reconhecimento ainda limitado na medicina de adultos, e ainda pouco estudado sua incidência em mulheres. Segundo a CID-10 e atual CID-11, o Transtorno do Espectro Autista – TEA é caracterizado por prejuízo na interação social, comunicação e comportamento, interesses e atividades restritos, repetitivos e estereotipados.
A etiologia do Transtorno do Espectro Autista -TEA ainda não é totalmente conhecida, mas os fatores de risco incluem predisposição genética, anormalidades estruturais cerebrais com diferentes causas e disfunção fisiológica e bioquímica. Pessoas autistas sofrem de comorbidade aumentada (por exemplo, Epilepsia e Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade – TDAH, bem como outros transtornos psiquiátricos, Ansiedade, Depressão, Transtornos Afetivos Bipolar e transtornos somáticos) e são frequentemente tratados com drogas psicotrópicas e antiepilépticas. Esses medicamentos, quando usados durante a gravidez, estão associados a desfechos adversos, como parto prematuro, peso anormal do bebê ao nascer e má adaptação neonatal.
A reatividade a estímulos sensoriais (como dor, toque e alterações internas) é mais acentuada em pessoas autistas e muitas vezes apresentam dificuldades em se adaptar a estímulos sensoriais.
Embora tenhamos conhecimento de dois estudos sobre as experiências de gravidez em mulheres autistas (descreveram dificuldades no processamento sensorial, adaptação às mudanças durante a gravidez e comunicação com profissionais de saúde), os pesquisadores não conseguiram identificar nenhum estudo sobre resultados da gravidez em mulheres autistas.
O objetivo deste estudo foi examinar o risco de resultados adversos na gravidez em mulheres com autismo. A principal medida de desfecho da pesquisa foi o nascimento prematuro, pois está fortemente associado à maturação fetal, ambos contribuindo para maior mortalidade e morbidade neonatal.
Através da ligação com o Registro Nacional de Pacientes Sueco (NPR), conseguiram identificar 2.460 nascimentos únicos de mulheres autistas antes do parto. O NPR foi implantado em 1964 e passou a ser nacional em 1987. Inclui atendimento ambulatorial de base hospitalar desde 2001 e hoje abrange mais de 99% de todas as altas hospitalares.
Os nascimentos únicos de mulheres nunca diagnosticadas com autismo foram usados como controles populacionais. Restringiram os participantes do estudo àqueles com informações completas sobre país materno de nascimento, tabagismo no início da gravidez, paridade e altura e peso autorreferidos na primeira consulta pré-natal. Essas restrições resultaram em uma população de estudo de 2.198 nascimentos de mulheres autistas e 877.742 de mulheres nunca diagnosticadas com autismo.
A partir do MBR, os pesquisadores extraíram dados sobre semanas completas de gestação, tipo de parto, escores de Apgar de 5 minutos, crescimento intrauterino, natimorto e complicações maternas (pré-eclâmpsia e diabetes gestacional).
O parto prematuro foi definido como <37 semanas completas de gestação. Estratificaram o nascimento prematuro em prematuro extremo (<28 semanas), muito prematuro (28 a <32 semanas) e moderado (32 a <37 semanas). O parto prematuro com indicação médica foi definido como parto prematuro após a indução do trabalho de parto ou cesariana antes do trabalho de parto.
O parto cesáreo foi dividido em eletivo (variável existente na MBR) e não eletivo. Baixo índice de Apgar de 5 minutos foi definido como pontuação <7. Usaram as curvas de crescimento fetal estimadas específicas do sexo sueco definir o nascimento pequeno para a idade gestacional (PIG) como tendo um peso ao nascer inferior a dois desvios padrão abaixo do peso médio ao nascer para sua idade gestacional, e o nascimento grande para a idade gestacional (GIG) como tendo um peso ao nascer de dois desvios padrão acima do peso médio ao nascer para a idade gestacional.
A condição de natimorto foi definida como morte fetal com ≥28 semanas gestacionais completas até 2008 e, posteriormente, ≥22 semanas gestacionais completas. Definiram pré-eclâmpsia materna e diabetes gestacional como tendo códigos relevantes da CID-10 (pré-eclâmpsia: O14-15 e diabetes gestacional: O244). A CID-10 foi introduzida na Suécia em 1997.
A idade materna no parto (≤24, 25–29, 30–34, ≥35 anos), país materno de nascimento (Nórdico [Suécia, Dinamarca, Noruega, Finlândia e Islândia] vs país não nórdico), ano civil de nascimento (1997–2001, 2002–2006, 2007–2011), tabagismo no início da gravidez (não fumante, 1–9 cigarros/dia, ≥10 cigarros/dia) e paridade (primípara ou multípara) foram todos extraídos do MBR. O índice de massa corporal (IMC; <18,5, 18,5 a <25, 25 a <30 e ≥30) foi calculado a partir da altura e peso autorreferidos na primeira consulta de pré-natal no MBR.
Os pesquisadores consideraram o uso de medicamentos psicotrópicos (antipsicóticos, hipnóticos/ansiolíticos, antidepressivos e antiepilépticos) como tratamento para uma doença comórbida ao autismo. As medicações utilizadas pelas mulheres autistas durante a gravidez foram definidas como medicamentos dispensados <6 meses antes da concepção até a data de nascimento.
Nas principais análises para mulheres autistas e controles populacionais, foi permitido mais de um parto por mulher. Em uma análise separada, calcularam ORs e aOR (ajustados conforme descritos acima, exceto para paridade) para mulheres autistas primíparas e seus controles. Para mulheres autistas bíparas, calcularam o risco de pré-eclâmpsia para poder explorar ainda mais a relação descrita entre autismo e pré-eclâmpsia. Como análises de sensibilidade, estratificaram os nascimentos para mulheres com e sem medicação psicotrópica e antiepiléptica durante a gravidez e calcularam OR bruto e ajustado para resultados adversos da gravidez. Após as exclusões, conforme descrito acima, o coorte consistiu em 2.198 nascimentos para 1.382 mulheres autistas e 877.742 nascimentos para 503.846 de mulheres que nunca foram diagnosticadas com autismo.
As mulheres autistas eram mais frequentemente fumantes e primíparas do que as mulheres sem diagnóstico de autismo. Elas também eram mais jovens no parto do que os controles (idade mediana de 26,0 vs 30 anos). Em mais de 45% dos nascimentos de mulheres autistas, drogas psicotrópicas ou antiepilépticas foram usadas durante a gravidez.
As mulheres autistas apresentaram risco aumentado de parto prematuro (OR=1,30; IC 95%=1,10-1,54), que após estratificação, permaneceu por parto prematuro moderado (32 a <37 semanas) (OR=1,32; IC 95%= 1,10–1,58). Em mulheres autistas primíparas, o risco permaneceu significativamente aumentado apenas para parto pré-termo moderado. Esse achado foi devido ao excesso de risco de parto prematuro com indicação médica (OR = 1,41; IC 95% = 1,08-1,82), enquanto não houve aumento do risco de parto prematuro espontâneo. Mulheres autistas e sem pré-eclâmpsia estavam em maior risco de parto prematuro com indicação médica (aOR=1,59, IC 95%=1,42–1,78).
O autismo materno também foi associado a um risco aumentado de cesariana eletiva em partos de mulheres com autismo (OR = 1,44; IC 95% = 1,25-1,66) e em primíparas com autismo (OR = 1,85; IC 95% = 1,52-2,25).
A pré-eclâmpsia foi mais prevalente em mães autistas. Nas análises de sensibilidade, o risco de pré-eclâmpsia não foi significativamente aumentado para primíparas, embora fosse para mulheres autistas bíparas (OR=2,23; IC 95%=1,43–3,46). O risco de indução do parto foi aumentado no nascimento de mulheres autistas (OR=1,52; IC 95%=1,37–1,70).
Outros desfechos da gravidez, incluindo diabetes gestacional, não foram associados ao autismo materno nas principais análises, exceto PIG em mulheres sem medicação durante a gravidez (OR=1,23; IC 95%=1,02–1,47).
Neste estudo os pesquisadores, utilizaram um coorte de base populacional nacional de 2.198 nascimentos encontrou uma associação positiva entre o autismo materno e o nascimento prematuro na prole. Isso é importante, pois o nascimento prematuro é uma das principais causas de morbidade e mortalidade no período neonatal.
O parto prematuro tem sido associado a várias condições maternas, incluindo pré-eclâmpsia, hipertensão crônica, história de parto prematuro e doença pulmonar, idade > 30 anos e estresse (fisiológico e psicológico). Mulheres autistas na pesquisa de coorte eram significativamente mais jovens que os controles e não apresentaram risco aumentado de diabetes gestacional. Mulheres autistas e sem pré-eclâmpsia tiveram um risco ainda maior de parto prematuro com indicação médica do que mulheres autistas em geral. Portanto, é improvável que esses fatores expliquem o risco excessivo de parto prematuro observado em mães autistas na pesquisa de coorte realizada, devido a um risco aumentado de parto prematuro indicado clinicamente e parto prematuro moderado (32 a <37 semanas). Não encontraram risco aumentado de parto prematuro espontâneo.
Mulheres autistas fazendo uso de medicação psicotrópica e antiepiléptica durante a gravidez não apresentaram risco aumentado de parto prematuro em comparação com controles populacionais com a mesma medicação. No entanto, uma porcentagem ligeiramente maior de mulheres autistas com medicação psicotrópica e antiepiléptica do que aquelas sem esses medicamentos tiveram um resultado adverso na gravidez. É possível que mulheres autistas em tratamento tenham uma forma mais grave de autismo. A continuação da medicação psicotrópica durante a gravidez não foi anteriormente associada a resultados adversos na gravidez.
Mulheres autistas na pesquisa tiveram um risco 1,3 vezes maior de pré-eclâmpsia nas principais análises. Nas análises de sensibilidade, o risco não foi significativamente aumentado para primíparas; no entanto, mulheres autistas bíparas tiveram um risco de 2,3 vezes para pré-eclâmpsia. Considera-se que a pré-eclâmpsia é causada por uma resposta inflamatória sistêmica exagerada. Assim, é possível que uma resposta imune alterada em mulheres autistas tenha contribuído para a maior prevalência de pré-eclâmpsia.
Na pesquisa não foram relatadas quaisquer diferenças no risco de resultados adversos na gravidez em mulheres que descontinuaram a medicação antipsicótica durante a gravidez em comparação com aquelas que continuaram. Assim, o uso de drogas antipsicóticas e hipnóticas/ansiolíticas durante a gravidez, segundo a pesquisa realizada pode refletir um autismo mais grave nessas mulheres.
Na pesquisa encontraram em mulheres autistas um risco aumentado de cesariana eletiva e indução do parto, bem como nenhum risco aumentado de parto prematuro extremo (<28 semanas) ou muito (28 a <32 semanas), baixo índice de Apgar de 5 minutos e cesariana de emergência parto, pode haver um desejo de iniciar o parto mais dependente do bem-estar das mães do que fetal.
As dificuldades com sensibilidade aumentada a estímulos sensoriais, mudanças internas e dificuldades de adaptação em mulheres autistas, podem impor uma resposta de estresse mais forte e, assim, contribuir para o aumento do risco de cesariana eletiva e indução do trabalho de parto. Outra razão pode ser as dificuldades de comunicação entre os profissionais de saúde e as pacientes autistas. Indicaram que a continuação da medicação psicotrópica durante a gravidez poderia melhorar essas dificuldades.
Os estudos propuseram pré-eclâmpsia, indução do parto e PIG como fatores de risco para autismo na prole. Como o autismo é uma doença altamente hereditária com relevância apenas parcial, é possível que pré-eclâmpsia, indução do parto e PIG sejam sinais de herança sobreposta.
PONTOS FORTES E LIMITAÇÕES DA PESQUISA
Um ponto forte do estudo realizado é o grande número de gestantes, o que nos permitiu calcular estimativas de risco precisas. Usaram uma abordagem baseada na população para minimizar o viés de seleção. Também foram capazes de ajustar os dados para várias covariáveis (embora a confusão residual nunca possa ser totalmente descartada em estudos observacionais). A maioria dos dados sobre fatores de confusão foram coletados prospectivamente antes do resultado do estudo, excluindo assim o viés de memória. Os dados de nascimento foram recuperados de um registro com alta validade (o MBR sueco).
O estudo segundo os pesquisadores, tem algumas limitações
Uma primeira limitação, um pequeno número de mulheres autistas leve pode nunca ter sido internada em um hospital ou visitado um ambulatório hospitalar (e, portanto, não ter diagnóstico de autismo no NPR); no entanto, isso é improvável porque a maioria das pacientes autistas são diagnosticadas por especialistas na Suécia. Além disso, tal erro de classificação levaria apenas a casos falso-negativos (então classificados como controles saudáveis), mas considerando a baixa prevalência de autismo, é improvável que o autismo falso-negativo influencie as estimativas de risco mais do que marginalmente.
Uma segunda limitação é a falta de validação do autismo em nossa coorte. No entanto, o NPR tem um alto valor preditivo positivo (85%-95%) para a maioria dos transtornos crônicos, incluindo diferentes transtornos psiquiátricos.
Uma terceira limitação é a falta de informação sobre as circunstâncias da vida, uma vez que a medicação durante a gravidez pode ser menos comum em mulheres autistas que vivem em um ambiente menos atencioso (pessoas autistas geralmente dependem de outras pessoas para se comunicar e entender suas necessidades). Além disso, os pesquisadores não puderam descartar que as dificuldades de comunicação influenciaram as estimativas de risco para resultados adversos da gravidez. Por outro lado, a necessidade de medicação pode ser ocultada em pessoas autistas que vivem em um ambiente de apoio e cuidado pela redução dos sintomas de comorbidades psiquiátricas.
CONCLUSÃO
Os indicadores de mulheres autistas foram associados ao parto prematuro, provavelmente devido ao aumento da frequência de partos prematuros com indicação médica, mas também a outros resultados adversos da gravidez, como o aumento do risco de pré-eclâmpsia. No grupo que continuou apenas com medicação psicotrópica, o risco aumentado de pré-eclâmpsia permaneceu significativo.
Os resultados sugerem a necessidade de atendimento pré-natal individualizado para mulheres autistas, ponderando prós e contras para a continuação da medicação psicotrópica, com melhor compreensão das dificuldades relacionadas ao autismo, principalmente quanto à comunicação e interação com os profissionais de saúde.
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Respostas de 6
Que bom que você escreveu e publicou esse artigo! Existe pouquíssimo conteúdo disponível na internet sobre esse assunto.
Boa tarde! Airton
Muito obrigada pelos seus gentis comentários.
Um abraço carinhoso e inclusivo.
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Esse artigo foi publicado em alguma revista, se sim teria como mandar o link?
Boa tarde! Alana
O artigo é uma pesquisa da Suécia, não foi publicado em revista.
Este estudo foi financiado por doações do Conselho Sueco de Pesquisa (2013 -2429), do Conselho Sueco de Pesquisa para Saúde e Bem-Estar no Trabalho (2015 – 01369) e por doações fornecidas pelo Conselho do Condado de Estocolmo (projeto ALF 20130156). As agências de financiamento não tiveram influência no desenho do estudo, na condução ou nos relatórios dos pesquisadores.
Os pesquisadores suecos, Helene EK Sundelin, Olof Stephansson, Christina M Hultman, e Jonas F Ludvigsson, realizaram uma pesquisa com o objetivo de estimar o risco de resultados adversos da gravidez em mulheres diagnosticadas com autismo. A pergunta que os pesquisadores investigaram: As mulheres autistas têm um risco aumentado de resultados adversos na gravidez?
Um abraço carinhoso e inclusivo.
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Obrigada pelo artigo. Sou Autista e estou grávida, estava pesquisando minha condição. São pouquíssimos artigos relacionados a uma autista grávida.
Tive o diagnóstico com 22 anos e hoje grávida de 15 semanas com 31 anos, ainda assim madura está difícil lidar com as modificações do meu corpo e emoções.
Agradeço novamente pelo artigo
Bom dia! Alessandra
Muito obrigada pelos gentis comentários.
Um abraço carinhoso e inclusivo.
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