A QUESTÃO DO DIAGNÓSTICO NA VIDA ATUAL

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“Tenho ideias, mas que fazer com elas… partilhar…. pensar alto…. prosear…. como fui inventando meu modo de vida?  Parece que o fazer, às vezes é tratado como da ordem de um privado. Quem sabe porque o que se faz traz consigo uma espécie de denúncia de nossa posição no mundo que nunca será igual a do outro, é sempre passível de outra abordagem. É quase um se expor à realidade e correr o risco de frustrar e se decepcionar. Mas isto é o que chamamos de teste de realidade,de ir a cultura é o que nos faz humanos diferentes e semelhantes, nunca iguais. Só nossa raça humana é igual!. Portanto vamos fazer, criar, poetizar, sonhar, compartilhar…” 

Quero partir então do pensar sobre o modo de vida humana e a necessidade última de um diagnóstico para tudo, porém nem tudo tem diagnóstico.

Modo de vida é uma maneira de ser no mundo, ou seja, configurações de afetos, de tempo, de lugar, das relações, percepções focais e genéricas que podem tomar um sujeito, um grupo, um coletivo dentro das composições que vão se desenhando as relações humanas, podemos chamar de sociedades e comunidades.

Hoje em dia para tudo se tem diagnóstico, se meu carro quebra o mecânico fala… “preciso fazer um diagnóstico do seu veiculo, uma checkagem”, vem o encanador em casa. Vai fazer diagnostico para consertar a torneira porque não sabemos porque não sai a água”  e se é com nossa saúde, aí complica?

Fiquei me perguntando qual o valor, necessidade, vontade, expectativas, conseqüências, desejo de buscar o diagnóstico como uma verdade ou será apenas um caminho?!

Para que serve o diagnóstico? De onde veio isto? Da nossa cultura evoluída, mas compartimentada, que separa, categoriza, observa o fenômeno, experiência, qualifica, quantifica e intervem quando é possível. A isto chamamos de modelo científico ou ciência. Está ligada a nossa capacidade humana de pensar, refletir, agir e evoluir. Não tem nada de errado nisto, só poderá ser um complicador quando ficamos nesta única posição.

Vamos ver o verbete diagnose:  conhecimento ou determinação de uma doença; termo da linguagem internacional, discernimento, exame. Vamos então para o verbete diagnóstico: capaz de ser discernível. Portanto definições abertas e fechadas.

O diagnóstico na vida atual desafia os profissionais, de saúde, do cotidiano, em vários níveis epistemológicos, teóricos, técnico, investigativo. Para uma elaboração adequada e sensível o diagnostico que envolve a vida humana precisa ser deveras cuidadoso, pois entra em jogo a vida deste ser, de indivíduos ou grupos, portanto entendo como uma responsabilidade social.

Urge revermos a descrição e explicações normativas que embora necessárias caem facilmente numa rede de quantificação e rotulação do ser humano: síndrome disso, atraso naquilo, etc… Precisamos pensar mais sobre a adequação da cultura a qual estamos vendo este ser humano, sua realidade, historia, pais. Generalizamos com os estatísticos perfis únicos muitas vezes gerados, recriados pelas peculiaridades situacionais. Precisamos questionar a ideologia das teorias e técnicas, que passaram a ser determinantes de um contexto social muito amplo. Considerar a critica em bases filosóficas, que visem a procurarem resultados e não terem resultados. A célebre frase irônica: “A cirurgia foi ótima mas o paciente foi a óbito”. Ponderar os dois lados é ter um espaço intermediário para lidar com impasses como este, seria uma maneira diferente de tentarmos alcançar as mazelas e surpresas do dia-a-dia.

A volta do médico de família vem trazer a aproximação histórica afetiva de quem cuida de gente e não do sintoma, parece nostálgico… Porque não! Trazer de volta marcas amorosas do passado resignificadas no presente, não entendo como retrocesso, mas investir em nossa capacidade amorosa atualizada.

No contato com o ser humano precisamos desenvolver nossa capacidade de distingui-lo como ser único, mas social, uma ação recíproca e dialética do interno e externo, da mente e corpo, considerando o problema, queixa, em seus aspectos multifacetados.

Frente a um ser humano complexo, não há uma coisa a ser feita, tratada, diagnosticada, medicada, mas muitas…

Pois bem, se os modos de vida são configurações sempre se atualizando é fato então que as problemáticas humanas vão mudando, ou seja, não há estabilidade dos problemas, por isso o que se coloca é a produção da existência humana nos diferentes momentos históricos. Se assim é,  as problemáticas terapêuticas vão mudando e também mudando as ferramentas de intervenção bem como as possíveis leituras sobre uma dada realidade. Temos uma nova maneira de intervir chegando que obedece as leis universais, a física quântica, a cadeia de DNA, a inteligência artificial, as mudanças sociais  de nossos tempos, e portanto não há  novas psicopatologias chegando como por exemplo: as síndromes diversas, as adições, os transtornos alimentares, do sono, da ansiedade, dificuldades de aprendizagem, dos transtornos invasivos do desenvolvimento, do trabalho e do consumo.

Nossa tarefa é mudar a maneira de pensar, falar e agir nestes sofrimentos humanos que aparecem nesta realidade que insere a subjetividade humana . Portanto, é pensar de que maneira  aquilo que aprendemos com as experiências anteriores possa ser útil, sensível, e eficiente a fim de que possamos intervir no cenário atual.

A Psicanálise durante estes cem anos tem contemplado estes estados de sofrimento humano e redimensionou as formas de continência e cuidados. Dizemos em Psicanálise que ela a teoria não está com problemas, seu corpo teórico tem se desenvolvido, que são os analistas que estão com dificuldades de realiza-la na prática do cotidiano. Hoje tenho dúvidas sobre isso. Apesar dos avanços da psicanálise talvez ela precise transgredir ela própria e encontrar novos paradigmas!

A sociedade pós-moderna, caracterizada pela cultura do narcisismo e pela sociedade do espetáculo temos “um modelo de subjetividade em que se silenciam as possibilidades de reinvenção do sujeito e do mundo”.

Na cultura do narcisismo e na sociedade do espetáculo, a fragmentação da subjetividade leva ao paradoxo entre autocentramento e exterioridade. Trata-se de uma nova forma de subjetivação, por meio da qual são criadas outras modalidades de subjetivação na atualidade, o que constitui o fundamento da atual psicopatologia e portando diagnósticos.

Segundo Birman, a ênfase atual da psiquiatria nas pesquisas sobre depressões, síndrome de pânico e toxicomania tanto quanto os investimentos nas teorias biológicas e industrias psicofarmacológicas, assumindo  pelo discurso psicopatológico. Assim é que a atual configuração da psicopatologia deve-se não só ao desenvolvimento experimental das neurociências, mas também ao levam a uma forma de ilusão da nossa consciência  de que evoluem para nosso bem, mas a construção subjetiva é bem diferente, está apenas reduzindo a atender uma parte do ser humano, aqui-agora, e magicamente. Caímos na hegemonia da aparência, parece que ficou curado, que resolveu os problemas, etc… Curar na linguagem psicológica, quer dizer “capacidade de cuidar-se, de ter cuidado”, portanto muito diferente no que entendemos no cotidiano, na medicina!

Precisamos estar alerta para verificar os resultados perversos que podem levar, condutas em nome da ciência e interesses internacionais. Conduzem sem dúvida a resultados importantes, mas não podemos de considerar o que de fato envolve, só assim encontraremos meios de mediação de nossa evolução cientifica.

Birman afirma que “(…) existe um processo de produção social das toxicomanias, pelas vias da medicalização psiquiátrica e do mercado de drogas pesadas, que encontram suas condições de possibilidade na ética da sociedade do espetáculo e do narcisismo” . Nunca se medicou tanto crianças, jovens e adultos nos últimos tempos!

A expansão e o consumo de drogas no Ocidente representam, segundo o autor, “(…) o sucesso mundano do narcotráfico (…)”, que não pode ser desarticulado da “(…) difusão massiva dos psicotrópicos pela psiquiatria e pela medicina, pois ambos se inserem no mesmo vazio existencial que produz as novas formas de mal-estar na civilização”.

Nossos pacientes são os mesmos do início do século passado, quando do pioneirismo de Freud, apenas as expressões humanas dos afetos tomaram outros rumos e comportamentos? Outros teóricos afirmam que os pacientes mudaram são seres humanos que padecem tipos diversos de sofrimentos? Afinal mudaram ou não mudaram? O que sabemos é que chamam de “mal – estar da contemporaneidade”? O Novo diagnóstico.

A única coisa que sabemos é que o homem continua em seu sofrimento, a maneira a qual aparece sua dor de crescimento ou adoecimento é que precisamos entender neste contexto histórico – chamada de sociedade da informação e do espetáculo-narcísico.

O jargão de “Freud explica”, não é mais suficiente para uma sociedade da informação tecnológica e da velocidade. O intersubjetivo que é o social está tendo uma força na subjetividade humana.

Vejamos, usarei alguns comentários caricatos e humorísticos para tentarmos uma leveza no pensar sobre estas questões.

Hoje queremos o que? Resultados rápidos, práticos, eficientes, prazerosos e baratos. Estamos na era do fast-food, drive-true, click aqui, transforme-se em, tudo por um e noventa e nove, consuma, não pense, tudo por dinheiro, façam suas apostas, beba o quanto puder, divirta-se, emagreça 10 quilos em uma semana, kit com 5 DVDs Sexo da Pesada é só ligar para…, entregue-se ao prazer virtual, cirurgia plástica em 40 pagamentos, fique sarado malhando numa academia de bolso, mande por e-mail seu pedido oraremos para você, junto você ganha um mapa astral  demonstrativo! E por aí vai…

Falo do imediatismo em pauta: eu quero, eu posso, eu tenho, e de preferência agora. Se não posso estou fora, sou infeliz, fico triste desapontado, com raiva, estou fora dos padrões da sociedade. Nem me percebo que isto é apenas uma exigência de fora e não a minha real, que pode ser diferente, que posso esperar…. Pois se espero me acho a pior das piores criaturas, porque não consegui satisfazer meus desejos na hora e isto parece ser errado. Só parece.

Estamos num modo de viva aonde encontramos alto índice de vários sofrimentos: depressão, ou os maníacos por consumo levando a si próprios a verdadeira decadência e falência financeira, as seitas e religiões para todos os gostos, dislexia generalizada na rede pública, autistas aparecendo,  pessoas conchas vivendo um modo um tanto excêntrico, até que é chic ser diferente, toda sorte de dificuldades de aprendizagem do educador ao educando, os viciados por regime, academias, bingos, encontramos ultimamente quase as volta da esquizofrenia, presos em nosso próprio castelo narcísico da alienação, por que será?

Experimente se sentir esquizofrênico? olhem um quadro do Salvador Dali, tente ver pelos olhos dele, ele retrata todo seu sofrimento ao ver o mundo, e como ele o compreendia através de sua sensibilidade e conexão com a loucura. Ele certa vez, colocou fogo em seu próprio corpo, pois sua existência era tão tênue que mal conseguia senti-la, precisava ser queimado vivo para sentir sua pele tendo cheiro e dor, só assim teria uma chance de sentir-se vivo!

Experimente se sentir um depressivo e maníaco? vejam os quadros de Van Gogh, tente ver pelos olhos dele, sua tristeza mórbida no quadro Os Comedores de Batatas ou Auto-Retrato, ele veio para receber o nome do nascimorto seu irmãozinho, e que viveu no lugar do outro não podendo nunca ser ele mesmo. Sua alegria esfuziante no quadro os Girassóis, a busca da luz, da felicidade, num jarro talvez encantado e perfeito, que pudesse conter tudo de bom e prazeroso que sua criatividade pudesse mostrar.

Experimente se sentir um disléxico? Einstein, o incompreendido, o louco, assim que o chamavam, muitas vezes também de retardado na escola. Seu futuro era pouco viável  para uma vida acadêmica. Que alfabetização da vida processou, que leitura conseguia fazer, que escrita produzia, ele era  o problema? ou nos não sabíamos lidar com tal genialidade, singularidade?! Muito do seu potencial mal canalizado trouxe a bomba atômica, mas trouxe também  a teoria da relatividade, a descoberta dos  buracos negros, física quântica e a existência de outras galáxias. Uma cisão Dr. Jeckyll e Mr. Hyde, entre o bem e o mal.

Experimente se sentir um autista? Nós mesmos! quando nos fechamos em nossas casas conchas cheias de grades, alarmes e toda parafernália de segurança, afastamento dos contatos humanos, apenas as vezes virtuais, nosso carro todo com vidros filmados para que ninguém nos veja, é providencial, termos medo da violência, do mundo, temos nossos rituais obsessivos através de nossas rotinas rígidas, não temos tempo para o outro, se tenho é para mim, preciso sempre de algo que falta, não preenche, posso também ignorar a falta, evitamos o olhar do outro, não conhecemos nosso vizinho, não nos conhecemos.

Se formos frustrados em nossas rotinas, vem à raiva, o estresse, o ataque cardíaco, as doenças psicossomáticas, as adições, de cigarro, álcool, diversões a toda,  pago para sentir medo, visto que o medo e a desgraça humana foram banalizadas, não conseguimos  senti-la de maneira afetiva, solidária e  fraterna. Se não recebo o bom salário ou não tenho emprego, aí piorou, minha capacidade imaginativa ficou afetada, só sei fazer daquele jeito e, portanto fico sem saída e deprimido, geralmente tenho surtos, revolta, espero o salvador aparecer, grudo numa religião, vou ao médico e ele me dá remédios, se tiver coragem acho algum terapeuta legal e aí vai.

Outra coisa ainda nesta linha: como se compõem a imagem corporal, que lugar ocupa na subjetividade, as crianças de hoje têm? uma memória eletrônica, idealizada do corpo perfeito, da manequim, do atleta, que os acompanham durante sua vida. A motricidade é digitalizada pelo vídeo-game, computadores, são ágeis, falantes, espertas e inteligentes. Mas quão faltantes estas crianças e jovens se encontram: faltam limites, ética, diálogo, afeto, solidariedade, fraternidade, humildade, cuidado com a natureza! Só o vinculo humano é capaz de humanizar o outro ser humano e preencher estas faltas.

E então vem um problema. Sou o que vejo, sou o que lembro, sou o que não lembro, sou o que tem registro, sou o que ouço… Onde estará minha identidade de EU?

Está é a questão chave? Filosófica por que não? Desde que o mundo é mundo nos fazemos esta pergunta. Quem sou eu?  Para onde vou? De onde vim? Ser ou não ser?

Estamos no ter ou não ter?

Se tenho o diagnóstico vem uma espécie de alívio e  medo? Diagnóstico é apenas uma possibilidade, não é a resposta, é apenas caminho. Não é partida ou chegada. É estar no meio em busca de, estar aberto…

Se não tenho a resposta, há angústia, medo, insegurança, ansiedade, impulsos de desvendar o impossível.

Numa cultura dominada pelo imediatismo e interesses utilitários, a arte, a poesia, a criatividade nos abre caminho. Habilidades que se encontram no terreno da ilusão, ilusão tão almejada e tão próxima, está dentro de nós :  “Só posso viver na cultura se puder tomar algo dela e puder dar algo em troca”.

Muitas pessoas parecem tomar tudo do meio, dos outros, da natureza e não têm nada para dar, nem sequer afetividade. Quando eu tomo, estou num processo de destruição; quando eu dou, construo, exercendo minha criatividade e, ao mesmo tempo, supro minha necessidade de compensar o que tomei, caso contrário, sinto culpa.

Nunca acharemos as verdades quaisquer que sejam fora de nós. O amor a verdade deverá vir sempre em primeiro lugar, ela será o caminho.

Saber que as respostas estarão sempre em nós mesmos, é a maior dor e ferida do homem, pois descobre que nada sabe?!

Não conseguiremos penetrar no nosso mundo em si, mas percebemos as riquezas das relações entre os fenômenos, descobrimos que o importante não é a estrutura e sim o processo, a conectude que podemos realizar, sem saber como aconteceu muitas vezes, ao acaso!

Eis o novo paradigma!

Sua impotência, frente ao desconhecido, o torna potente para ser eterno aprendiz.

Quanto conseguirmos perceber que a realidade não é para ser controlada é para ser vivida, sonharemos com a realidade e transformamos nossos sonhos em realidade!

Esta poderá ser nossa arte de viver!

Bibliografia:

Arendt, H.. A condição humana. (R. Raposo, Trad.). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.

Freud, S.O mal-estar na civilização, ESB, XXI, 1929.

_______ Além do princípio Do Prazer, ESB, XVIII, 1920.

________ Inibições, sintomas e ansiedade., ESB, XX, 1926.

Birman, J. “Figuras do analista no cinema”, in Por uma estilística da existência Rio de Janeiro, Editora 34, 1996,

Lasch, C. A cultura do narcisismo, Rio de Janeiro, Imago, 1984.

Winnicott, D. W. Textos selecionados. Da pediatria à psicanálise (Londres, 1958). Livraria Francisco Alves, RJ, 2ª ed., 1982

_________O brincar e a realidade. Imago Editora, RJ, 1975;

_________O ambiente e os processos de maturação. Artes Médicas, P.A.,1983

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